sábado, 28 de setembro de 2013

Crónica do 4.º dia do Caminho Português, entre Rubiães e Pontevedra

Rubiães, 02 de Agosto de 2013.

 A noite foi atribulada, um peregrino de nacionalidade alemã passou mal, pelo que foi necessário chamar por socorro médico. Na altura não percebemos bem o que se estava a passar, pensei, inclusive, que seriam os primeiros peregrinos a sair do albergue. O Aguiar continuou sempre ferrado que nem uma pedra, não deu por nada. Finalmente uma noite sem que se tivesse dado  por ele. 
Primeiras horas do Caminho, após saída do albergue de Rubiães

Este dia iria ser diferente dos anteriores, saímos do albergue, pelas 07:56,  à medida que se progredia no Caminho, encontrávamos cada vez mais peregrinos. O pequeno almoço foi tomado em Rubiães, onde contámos com a simpatia  e boa disposição do proprietário.

Na véspera, apesar de termos chegado tarde ainda convivemos um pouco com alguns peregrinos espanhóis, fiquei também a saber pela Olívia, de Viana do Castelo, que as melhores Bolas de Berlim são as do Manel e não do Zé, estou a referir-me ao Natário, que tem as melhores Bolas de Berlim do Mundo.

Após o pequeno almoço aproveitei para trocar contactos com o Vítor Matos, de Coimbra, que fazia a peregrinação na companhia de um espanhol de Saragoça e de uma rapariga de Valência.

A jornada que marcou a entrada do Caminho Português por terras da Galiza,  foi caracterizada pelas frequentes paragens, ora para trocar dois dedos de prosa com os peregrinos, ora para as indispensáveis fotos, ou para reabastecimento.

Continuámos a cruzarmos-nos com os peregrinos que viajavam quer em grupos quer individualmente e a transmitir a habitual saudação de Bom Caminho. Pouco depois, já em São Bento da Porta Aberta, continuámos por terreno montanhoso, em direcção a Gontomil, altura em que parei para uma foto de conjunto com cerca de  40 a 50 peregrinos americanos, certamente ainda mais inspirados pelo filme The Way, com Martin Sheen no principal papel.

Depois do divertido encontro com o numeroso grupo de peregrinos americanos, com quem troquei a captação de imagens, foi a vez de reencontrar a Olívia de Viana do Castelo e as suas colegas de Valência, nova troca de contactos e depois de alguns dedos de conversa, lá voltámos a pedalar.
Valença e Tui
A entrada em Valença foi acompanhada por chuva ligeira, que entretanto desapareceu. Como os primeiros quilómetros foram lentos, tratámos de nos fornecer logo no primeiro supermercado, para uma refeição à base de sandes e fruta.

Subimos à Fortaleza, onde é sempre agradável a vista sobre o Minho bem como para o outro lado da fronteira. Depois de algumas fotos prosseguimos descendo da Fortaleza em direcção ao antigo posto fronteiriço.

Antiga ponte do rio Minho
Enquanto atravessava a velha ponte, não resisti a tirar algumas fotos. Estava entusiasmado, tantas foram as vezes que por ali andei, sempre com o mesmo pensamento, tenho que fazer um dia o Caminho Português. 

Em boa verdade, tinha planeado fazê-lo em 2008, mas ainda bem que decidi nesse ano acompanhar o Joaquim Tavares e o José Botelho, naquele que foi um belo fim de semana alargado, e que já dei conta na Página acima indicada, com o título Finisterra, foi igualmente uma magnífica aventura, se assim se pode chamar. 

A entrada em Tui pelo Caminho Português tinha que ser assinalada, precisamente junto ao primeiro marco que encontrámos em território galego, lá tirámos a foto de conjunto.

Prosseguimos pelo vale do rio Minho até encontrar a Ponte da Veiga, antes desta ponte medieval virámos à esquerda, seguindo num passeio agradável por frondosos  bosques.

Monumento ao peregrino, ao fundo a Ponte de Veiga

Continuámos a seguir as as setas e detivemos-nos na histórica Ponte das Febres ou de São Telmo, onde é visível uma placa com os seguintes dizeres Aquí enfermó de muerte São Telmo, en abril de 1246. Pídele que hable con Dios en favor tuyo. São Telmo, bispo patrono de Tuy e de Frómista, faleceu neste local quando se dirigia em peregrinação a Compostela.


Ponte das Febres ou de São Telmo

Seguimos pelos bosques até A Madalena, continuámos alcançando outra ponte medieval, a Puente de Orbenlle sobre o rio Louro. Atravessamos a ponte e iniciamos uma ligeira subida até chegar ao Polígono Industrial das Gándaras.

As sucessivas paragens que o Caminho impõe, traduzem-se numa velocidade média mais baixa, assim, nalgumas ocasiões temos que compensar o tempo gasto, para não desvirtuar o plano traçado.
Puente de Orbenlle
A travessia do Polígono Industrial do Porriño foi efectuada debaixo de um sol forte, e com a maior velocidade que as pernas permitiam, dado tratar-se de uma zona pouco agradável, muito exposta e movimentada, sem dúvida o ponto negro do Caminho Português, na Galiza, finalmente, depois de um esticão mais forte, para passar o quanto antes a zona industrial, chegámos a Porriño.
Porriño
Prosseguimos pela estrada que liga Porriño a Redondela, abandonando-a um pouco à frente, na direcção de Amieiro Longo.
Apesar de o dia ter começado cinzento e até com alguma chuva em Valença, a tarde estava com um sol forte. Assim, em Mos, parámos para beber uma bebida refrescante junto ao Palácio e à igreja barroca de Santa Eulalia.

Duas peregrinas a iniciar a subida da rua dos Cabaleiros

A acompanhar as bebidas, foram-nos gentilmente oferecidas umas porções de empanada Galega. Posso dizer que vieram mesmo a calhar, o corpo precisava de algum combustível para iniciar, desde Mos a subida de um dos lugares mais simbólicos do Caminho Português, a ingreme subida da Rúa dos Cabaleiros.

A subida da Rua dos Cabaleiros, Mos

Após a difícil subida até ao alto do Inxertado, aqui penso termos recebido a justa recompensa, pela dupla e agradável paisagem verde, dos bosques e dos terrenos sempre muito bem cultivados. 

A Galiza faz bem ao corpo e à alma, a agradável sensação de percorrer terras galegas é indescritível, mas seguramente absorvida por todos quantos trilham estes caminhos.  

Inicio da meseta de Chan de Pipas pela via Romana

O Caminho segue a Via Romana, assinalada pelo miliário de Vilar de Infesta, atravessando a meseta de Chan das Pipas.

Após a planura de Chan de Pipas, descemos pelo Caminho que envereda pela N550. e depressa chegámos a Redondela, numa altura em que começou a rarear o encontro com os demais peregrinos, a esta hora, muitos já se encontrariam instalados nos albergues. Mas não podíamos pensar ainda em encostar as bicicletas, para nós a jornada teria que terminar em Pontevedra.


Próximo de Redondela

Em Redondela efectuámos uma paragem junto ao albergue, situado num edifício histórico do século XVI, conhecido como Casa da Torre, que se destaca pela sua arquitectura e pelo seu uso prático e cultural. 

Albergue da Casa da Torre, Redondela

Ao sair de Redondela comecei a acusar alguma fadiga, um pouco motivada pelo ritmo inconstante e a necessidade de uma refeição, ainda que ligeira, do que pelo acumular de quilómetros  realizados. 

Passada a ponte do caminho de ferro, segundo informações concelhias, da autoria de Eiffel, o Caminho sobe, rodeado por uma zona arborizada, atingido o cume, iniciámos a descida,  interrompida para observar e fotografar a Ría de Vigo e a ilha de San Simón.
Ria de Vigo e a ilha de San Simón

Encontrámos de novo a N550, que percorremos, entrando em Arcade, capital das ostras na Galiza. Bem que nos apetecia forrar aqui o estômago, mas era importante chegar, ainda dia, a Pontevedra, assim decidimos que o melhor era mesmo tratar do assunto em Pontevedra, já com banho tomado.
Ponte medieval em Pontesampaio

Seguia o Aguiar na frente, secundado pelo Joaquim e ainda pensava na paella que ficou para trás, quando vejo um automóvel sair de uma curva que antecede a histórica Ponte Sampaio, a toda a velocidade e quase desgovernado. Não sei se foi Santiago, mas por pouco o enorme susto não tinha virado em tragédia.
Pontesampaio

Passada a histórica ponte sobre as águas do rio Verdugo, entrámos em Pontesampaio. Seguimos um dos troços mais bonitos do Caminho Português, na Galiza, a Vrea Vella da Canicoubar, subimos o antigo caminho empedrado até à encruzilhada para Nuestra Señora de Amil, frequentado desde as épocas mais remotas e onde são visíveis marcas das rodas dos carros, sulcadas nas velhas lousas.
Vrea Vella da Canicoubar

Continuámos em direcção a Pontevedra, descendo o Caminho, rodeados por pinheiros, até aos 
vales de Alcouce e Boullosa. A paisagem modifica-se à medida que progredimos, chegando finalmente ao albergue de Pontevedra.
Velha calçada romana
Seguiram-se os afazeres normais até ficarmos instalados, e, após o duche, arriscámos sair do albergue para jantar no centro da cidade.
A descer para Pontevedra
A partir daqui aconteceu um pouco de tudo, o jantar que coube melhor em sorte ao Joaquim e ao Aguiar, com um aperitivo de deliciosos mexilhões, chuva no regresso, albergue fechado, a termos que passar as bicicletas por cima do gradeamento, e, quando pensámos que o pior tinha passado, as portas do albergue estavam fechadas.

Foi uma sorte umas portuguesas de Braga terem ouvido a minha chamada,  sorte porque uma delas reconheceu a minha voz, de termos estado a tagarelar antes da saída para o jantar.

Mas não foi tudo, de tanta pressa que estava, tinha esquecido carteira com dinheiro, máquina fotográfica , tudo, no pátio do albergue. Não fora uma malta de Braga que também estava a fazer o caminho de bici e estava feito. 


Um bom jantar na Galiza , dá sempre para ficar alegre
Percorremos na jornada 76 km, chegámos a Pontevedra por volta das 20:00, um pouco exaustos e a necessitar de um bom duche, como de água para beber.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Crónica do 3.º dia do Caminho Português, entre São Pedro de Rates e Rubiães

Igreja Românica de São Pedro de Rates

Primeiro dia de Agosto e terceiro do nosso Caminho, fomos dos últimos peregrinos a acordar e a sair do albergue de Rates.

O plano traçado para a jornada impunha que fossemos dormir a Rubiães, o que equivale a dizer que forçosamente teríamos que passar a mítica e difícil Serra da Labruja. 

Os primeiros raios de sol começaram timidamente a querer surgir de um céu acinzentado. Após a preparação das bicicletas, dirigimo-nos ao único café aberto nas cercanias, muito próximo da velha e magnífica igreja românica.

Pequeno almoço em Rates
Pelas 08:30, após o o pequeno almoço, recreámo-nos a tirar fotografias à igreja românica de São Pedro de Rates, uma das jóias da arquitectura religiosa medieval portuguesa.

Os primeiros quilómetros foram de reencontro com os peregrinos que na véspera conhecêramos no albergue de Rates e muitos outros que pelo Caminho fomos encontrando.

Uma pequena história ressalta ainda do dia anterior, trata-se da jovem hospedeira que simpaticamente nos acolheu no albergue. Assim, contou-nos que ao fim de algum tempo a acolher e assistir peregrinos, ela mesmo iria iniciar o seu Caminho, a partir de Rates. A ansiedade quase não a deixou dormir e foi das primeiras a partir. Após alguns anos de trabalho voluntário, finalmente resolveu fazer o seu próprio Caminho, partilhar as suas vivências.

O lendário Galo de Barcelos
A aproximação de Barcelinhos e logo a seguir Barcelos, originou nova paragem. O Joaquim Tavares e o José Botelho demoraram um pouco com a fotografia. Depois de passar a ponte a pose ao lado do famoso Galo de Barcelos e a oportunidade para comer uma saborosa bola de Berlim e beber um café com leite.

O Minho em Agosto fervilha de gente, as ruas de Barcelos estavam plenas de turistas, emigrantes e peregrinos.

Dos inúmeros motivos de interesse da cidade de Barcelos, destaco o templo do Bom Jesus da Cruz, que assinala o aparecimento miraculoso de uma cruz de terra negra no chão barrento da feira, em 20 de Dezembro de 1504, templo que abriu ao culto em 1710. Trata-se de uma edificação de cúpula e planta centrada, com o espaço interior disposto grega, da autoria do Arquitecto João Antunes.
Barcelos e ao fundo a igreja do Bom Jesus da Cruz

Um pouco absorto com o templo do Bom Jesus da Cruz, que não canso de admirar, novo desencontro aconteceu, desta vez fiquei para trás. Pensando estar na frente fui rolando devagar, sem pressa, esperando o reagrupamento.

Peregrinos a Santiago

Como a demora era muita obtive a informação de um peregrino que regressava de Santiago, a caminho de Fátima, que me informou da diferença de uns bons 15 a 20 minutos para os meus amigos.

Foi hora para dar corda aos sapatos e imprimir um ritmo mais forte, o tipo de percurso também ajudava. Finalmente o reencontro, no rio Neiva, junto à Ponte das Tábuas, momento aproveitado para uns mergulhos na água límpida e cristalina do rio.

Aqui não poupámos tempo, bem pelo contrário, apetecia ficar para o resto do dia, não fosse o objectivo programado. Sem dúvida um bom momento.

Regabofe na Ponte das Tábuas

Serpenteando por terrenos de cultivo do milho ao passar o cruzamento da N201 com a N308, resolvi fazer um pequeno desvio, parei num café para comprar uma bebida e reabastecer de água, tentei comprar fruta, mas sem sucesso uma vez que o minimercado estava encerrado, salvou-me a jovem do café, dispensando-me algumas laranjas e um BTTista de Silves a fazer o Caminho em companhia de um grupo de espanhóis, oriundos de Murcia, que me ofereceu um plátano. 

Piquenique no pinhal
Com a dupla Joaquim/Aguiar uns 10 a 15 minutos à frente, entrei numa zona de bosque. A subida de algum relevo, era amenizada pela sombra. Mais à frente reagrupámos novamente para uma pequena refeição, em jeito de piquenique.
Chegada a Ponte de Lima

A aproximação a Ponte de Lima era desejada, aqui efectuámos uma paragem para refeição na Tasca das Fodinhas, onde o Cardápio da Márcia era bem sugestivo, como podeis ver na foto.
Ponte de Lima e o Cardápio da Márcia

Não podíamos relaxar muito, como diz o velho ditado, o rabo é o pior de esfolar, e ainda tinha-mos que esfolar a subida da Serra da Labruja!

O esforço da subida


Subida da Labruja

Descer a Labruja também não é fácil, há sobretudo que ser cuidadoso, para não hipotecar o resto do Caminho.

Chegámos a Rubiães às 20:30, debaixo de um céu cinzento e ligeiros chuviscos, tendo pedalado nesta jornada 77,70 km.

Com o albergue lotado, restou-nos dormir na sala de refeições. Do pouco tempo que dispúnhamos ainda ouve lugar para entabular alguma conversa com o Vítor Matos de Coimbra e com a Olívia de Viana do Castelo e com alguns peregrinos espanhóis.

No entanto o duro final de jornada não podia terminar sem um merecido jantarinho no restaurante mais próximo do albergue, na companhia simpático pessoal de cozinha, do dono e do empregado de mesa.

Fotos do 3.º dia

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Histórias do Caminho

O Caminho faz-se de pequenos acontecimentos, pequenas histórias, curiosidades que apraz registar. Esta é uma das histórias que o Samuel nos conta no seu sítio, através do relato do 2.º dia do seu Caminho, em 2002.
Vale a pena ler.


domingo, 8 de setembro de 2013

Caminho Português de Santiago - Alternativa ao polígono industrial de Porriño





SEMPRE NO CAMINHO

Os primeiros trabalhos de investigação e identificação do antigo Caminho Português a Santiago na Galíza, que realizámos durante os anos 1992-93, não nos permitiram salvar o itinerário entre Orbenlle e O Porriño; o indubitável traçado histórico fora ocupado pelo maior polígono industrial da Galíza e a estrada N-550, não tendo na altura infraestrutura nenhuma que facilitasse salvar esta verdadeira "penitencia". O decorrer do tempo e a construção de infraestruturas como o caminho habilitado junto ao rio Louro permite-nos agora apresentar-vos este novo itinerário que vem fazer justiça ao Caminho Português na sua primeira etapa na Galíza.

Desde logo, em todos os nossos trabalhos, ajustámos, sempre que possível, os itinerários históricos, contudo, o que fazer quando "a historia" passa por um polígono industrial, uma concentração de armazéns, uma autoestrada ou um pântano? O purismo histórico absoluto só pode ser reivindicado pelos que desconhecem absolutamente o território e/ou jamais dobraram as costas no trabalho de campo, no entanto é muito claro que já desde os tempos de Valiña cada época teve o seu Caminho, e que no século XXI os peregrinos têm direito, como os seus antepassados, a ter os seus próprios Caminhos de Peregrinação

Apresentámos-vos um itinerário humilde, profundamente galego, que percorre num espaço natural único incorporando, nalguns pontos, o antigo Caminho Real entre Tui e Vigo. Num espaço rodeado por naves industriais e infraestruturas de toda índole, autoestrada, via rápida, caminho de ferro, mais de quarenta por cento deste decorre por velhos caminhos de terra rodeados por uma natureza esplêndida e o seu traçado acrescenta apenas uns quinhentos metros mais que o itinerário pelo atual Polígono Industrial das Gándaras e a estrada N-550. Colocámos neste trabalho, realizado de forma completamente altruísta, por e para os que caminham, esforço, paixão, alma e sentimento; agora já não nos pertence, é vosso, dos peregrinos.

Queremos agradecer expressamente a colaboração dos vizinhos e dos técnicos de Património e o Xacobeo da Junta de Galíza, que em todo momento apoiaram e entenderam este projeto; a Luis Freixo, por incorporar no mesmo uma alternativa preparada exclusivamente para impossibilitados; e, expressar também a nossa lembrança especial a quem desde a sua humilde atalaia do Cebreiro soube mostrar-nos o Caminho: Elías Valiña. Dedicamos este trabalho em agradecimento a todo o que nos ensinou e semeou para o futuro; obrigado, Elías. 

Bom caminho a todos. Ultreia e sus eia!

Coordenação : José Antonio de la Riera 
Investigação, documentação e trabalho de campo: José Antonio de la Riera, Manuel Garrido y Luis Freixo.
Fotografias: Manuel G. Vicente

Tradução do artigo António José Matos


Clicar para ver o Guia  - Mapa

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Crónica do 2.º dia do Caminho Português, São João da Madeira - São Pedro de Rates, 90 km

Sapateiro - São João da Madeira

Após o pequeno almoço no bar do quartel, começámos a pedalar pelo fresco da manhã, Eram 7:55, quando partimos e logo com uma subida de 3 km em direcção ao centro de São João da Madeira. 

Continuámos a subir até ao alto da Arrifana e estava feito o aquecimento para enfrentar a segunda maior jornada do Caminho.



Igreja Matriz da Arrifana


Curiosamente, Arrifana e Coimbra têm a particularidade de ter a mesma padroeira, Isabel de Portugal, a Rainha Santa. A Rainha Santa Isabel, que viveu grande em Coimbra grande parte da sua vida, foi muito devota a Santiago. Desde  Coimbra peregrinou  até Compostela por duas vezes, confirmadas. Havendo quem defenda que o teria feito, de forma anónima, por mais duas ocasiões.

Pouco depois da Arrifana, passava das 09:45, cruzámos-nos com mais um peregrino, contudo somente a partir do Porto e principalmente de São Pedro de Rates é que se tornou mais constante o encontro com os demais peregrinos.


Peregrino a Santiago
Na Malaposta o Caminho derivou para a antiga calçada romana, depois Estrada Real, prosseguindo pelo lugar de Souto Redondo até Lourosa.

Infelizmente esta via histórica não se encontra devidamente preservada, é deprimente o estado em que se encontra a calçada, envolta por vegetação selvagem e depósito de lixos indesejáveis.

Prosseguindo, em Grijó ladeámos o Mosteiro e um frondoso bosque de carvalhos cercado por extensos muros antigos, feitos de pedra.

A necessidade de reabastecimento obrigou a nova paragem num café à entrada da vila, onde também estava um casal de peregrinos com duas crianças de tenra idade, que transportavam em carrinhos de bebé.

Ficou com algum desgosto que não visitámos o Mosteiro de Grijó, ficando a referida visita agendada para outra ocasião.

Depois de Perosinho subimos a difícil calçada da Serra de Negrelos, contudo a passagem pelo bosque foi reconfortante, o fresco da vegetação transformava mais leve o pedalar, parecendo aumentar a sua cadência.

De Grijó a Gaia, pela Serra de Negrelos
A chegada a Vila Nova de Gaia não foi demorada, contudo o acelerar do ritmo necessitava de uma recompensa alimentar. Assim nada melhor que uma pequena sondagem para obter indicação de onde comer bem, pelo mais baixo preço.

O local escolhido foi o Piri-Piri, onde o cheirinho a frango assado dissipou qualquer dúvida quanto à ementa a escolher.

Na Ribeira, dando orientações a duas jovens alemãs
Após o repasto, seguimos para a zona ribeirinha de Gaia, para o indispensável café. Gaia superabundava de turistas nesta altura do ano.

Ao subir da Ribeira para a Sé do Porto, o encontro com duas peregrinas alemãs que se preparavam para iniciar o Caminho, de bicicleta, a partir do Porto propiciou alguns momentos de conversa. As jovens não dispunham de qualquer informação sobre albergues e lugares do Caminho, assim, oferecemos-lhes um guia, que por certo muita utilidade lhes daria, face à completa ausência de informação que dispunham, a não as setas amarelas do Caminho.

Subindo à Sé do Porto para a aposição dos carimbos nas credenciais, apenas no detivemos o tempo necessário para o efeito.

Porto- Vilarinho

Urgia sair do Porto, uma vez que ainda faltavam uns bons cinquenta quilómetros até São Pedro de Rates.
Ao passar na Maia o primeiro contratempo na bicicleta do Aguiar, com problema na pedaleira, o que originou um desvio na procura de alguém que lhe pudesse valer, o que veio a acontecer.
Numa primeira fase ainda o seguimos, mas de pouco adiantava e assim enveredámos novamente pelo Caminho.


A passar a Ponte dos Arcos, rio Ave
A partir de Vilarinho, a paisagem muda radicalmente, o Caminho começa a penetrar por campos agrícolas verdejantes, e à medida que se avança para Nordeste, os vinhedos marcam a tradicional paisagem minhota.

Ponte dos Arcos
Na passagem do Ave, a ponte dos Arcos, as sombras  espelhadas no rio, a velha azenha, enfim toda a zona envolvente, são motivos que apraz registar e lembrar. 

Finalmente, e após 90 km a pedalar e de frequentes paragens para a captação de imagens, eis-nos em São Pedro de Rates. No momento em que seguia com o Joaquim Tavares em direcção ao albergue, eis que apareceu o Aguiar, em velocidade apressada, com bicicleta reparada e pronto para novo empeno!!!

Igreja românica de São Pedro de Rates
O edifício do albergue de paredes antigas e austeras encontra-se bem cuidado e conservado, o pátio interior, bem ajardinado, é muito agradável e convida ao repouso. Nele se insere um telheiro aproveitado como espaço de exposições sobre o Caminho.

Depois de um duche bem merecido, rumei ao pequeno mini mercado próximo do albergue, onde, com apenas sete euros e alguns cêntimos, comprei os ingredientes para fazer o jantar. 

O menu foi esparguete com atum em tomate e cebola, acompanhado por sumo de cereais e para finalizar fruta da época. Para sobremesa bolo de frutos secos, oferta da Sandra, numa palavra, perfeito.

O jantar no albergue

Mas o pior ainda estava para acontecer. A segunda noite foi  nova tormenta, repetiu,-se, desta vez com colunas de som, o concerto musical do primeiro dia. A novidade foi a musica tradicional galaico-portuguesa, onde intrusas concertinas ronqueiras deliciaram os ouvidos do pobre Joaquim. Nem mesmo usando a habitual mascarilha do Zorro conseguiu vencer as gralhas nocturnas. 

A resignação foi total, tanto mais que o maestro do grupo, nessa noite, usou uma camisola de meia manga, com seta amarela.O espírito do Caminho intensificava-se, à medida que se avança no Caminho. São Pedro de Rates, para além do simbolismo histórico que representa, vive de forma entusiástica e hospitaleira a senda do Caminho.

É justo uma palavra de agradecimento para os hospitaleiros do albergue, gente boa, bastante simpáticos e prestáveis. É nobre a sua atenção para com os peregrinos.

No 2.º dia do Caminho, às 07:55 saímos de São João da Madeira e percorremos 90 km, chegando a São Pedro de Rates pelas 20:15.

Fotos da 2.ª Jornada


Revista Passear n.º 28

Revista Passear n.28

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Crónica do 1.º dia do Caminho Português, Coimbra - São João da Madeira. - 110km

O momento tão ansiado tinha finalmente chegado, mais uma vez não consegui descansar o tempo que se impunha. Às 06:00 reunimo-nos na garagem do José Botelho para rumar junto à igreja de São Tiago, em Coimbra, onde iniciámos o Caminho Português de Santiago de Compostela.

Após o pequeno ritual das fotos, iniciámos o Caminho, pela margem direita do Mondego. As primeiras pedaladas, pela manhã, eram leves e quase faziam esquecer o peso dos alforges.

Na Mealhada o encontro com um casal de peregrinos da Lituânia
Na Mealhada uma primeira paragem para o indispensável café. Foi também o momento do encontro dos primeiros peregrinos, um jovem casal procedente da Lituânia, com quem trocámos algumas palavras.

O momento era de progredir no caminho, mas o certo é que fomos andando um pouco aos solavancos, com paragens em Anadia, Avelãs de Caminho, Águeda, cidade onde aproveitámos para obter um conjunto de fotos original.

Uma das ruas da baixa de Águeda apresentava-se quase totalmente coberta por guarda chuvas coloridos, formando um efeito engraçado e produzindo agradável sombra para dias de calor, como era o caso.

Continuámos o caminho. À medida que a manhã avançava, o calor começava a fazer-se sentir cada vez mais forte. Depois de passar Águeda, foi altura para cuidar de reabastecer os depósitos de combustível das bicicletas, assim parámos num café em Mourisca do Vouga e tratámos de refrescar as gargantas e da desejada alimentação. Em Pedaçães descemos à Ponte Medieval do Marnel, situada a 100m da antiga Estrada Nacional n.º1 que permitia a travessia de Cabeço do Vouga. A ponte integrava o extenso traçado da antiga via romana que ligava Bracara Augusta a Olisipo.
Ponte do Marnel
Prosseguimos o caminho com uma paragem forçada na travessia do Vouga, pois a velha ponte por onde haveríamos de passar estava subtraída de um tabuleiro, o que nos obrigou a pedalar um pouco pela IC2, para entrar de novo no caminho.
Após a passagem das "Albergarias", Velha e Nova, um pouco antes de chegar ao extinto concelho de Pinheiro da Bemposta, localidade da qual desconhecia o seu rico património histórico e arquitectónico, ainda conversámos com um peregrino italiano que se lamentava do percurso do Caminho Português, entre Lisboa e Golegã e de Coimbra para Norte, com poucas sombras  e muito asfalto. Concordo, é um martírio para quem viaja, sobretudo a pé.
Pinheiro da Bemposta

Reabastecimento em Oliveira de Azeméis
Em Oliveira de Azeméis impôs-se nova paragem para um pequeno lanche e reabastecimento de água, a sua ingestão frequente é absolutamente fundamental para não se cair em desidratação.

Espigueiro e Ponte Medieval, Cucujães
A jornada aproximava-se do seu termo, em Cucujães, após passarmos por uma pequena ponte medieval, efectuámos uma repentina visita ao exterior do Mosteiro. Finalmente, após alguns quilómetros a subir, chegámos ao centro de São João da Madeira, pelas 19:40, tendo percorrido 110km.  Aqui foi necessário esperar cerca de 40m, junto às instalações da Associação de Bombeiros Voluntários, por um membro da companhia de bombeiros que nos indicou o caminho a seguir.

Fica um pequeno alerta para os peregrinos que utilizem bicicleta, é preferível subir mais um pouco até Arrifana, pernoitando nas instalações dos Bombeiros Voluntários desta localidade, uma vez que para pernoitar no Quartel dos Bombeiros Voluntários de São João da Madeira, é necessário andar em sentido inverso cerca de 5km.
São João da Madeira, final de jornada, 110 km
O dia ainda não tinha acabado, depois de instalados e tomado o tão ansiado duche, foi necessário percorrer mais 2km até podermos encontrar um estabelecimento para repasto.

De regresso ao quartel, onde também pernoitava um jovem casal de peregrinos espanhóis, foi difícil adormecer, primeiro devido ao barulho proveniente do bar contíguo ao pavilhão, depois com um extraordinário concerto de música "ronqueira" protagonizado por um exímio executante na arte de ressonar. A prestação foi tão competente que me deixou sem dormir, tal como ao Joaquim Tavares, uma boa parte da noite. Penso que até nem deixou indiferentes os peregrinos espanhóis ali presentes.

Fotos da 1.ª Jornada

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O Caminho Português de Santiago de Compostela, desde Coimbra

Peregrinação a Santiago de Compostela, iniciada a 30 de Julho e finalizada a 3 de Agosto. Regresso no mesmo dia de Comboio (Trem) até Vigo. Em 04 de Agosto Vigo - A Guarda, em bicicleta, com transbordo do Minho em ferry para Caminha. 


A peregrinação de bicicleta a Santiago de Compostela foi efectuada com sucesso, tendo corrido da melhor forma. 

A viagem em bicicleta, ao contrário do que se possa pensar, torna-se mais ingrata em muitos aspectos, sobretudo na disponibilidade física que é preciso evidenciar. Contudo apenas recorrendo à bicicleta se pode percorrer o Caminho num espaço de tempo tão reduzido, 400 km em 5 dias, a pé seria necessário quase o triplo dos dias

A presente mensagem destina-se a agradecer a amabilidade dos amigos que desejaram um Bon Camino e todos os que por alguma forma contribuíram, dentro do espírito do mesmo, para a prossecução de vivências que ajudaram à concretização dos objectivos esperados. 

As imagens captadas com alguns peregrinos colocadas neste espaço, conforme promessa efectuada aos mesmos. Em breve e espaçadamente será colocada a crónica dos cinco dias do Caminho e as incidências do regresso a casa, as experiências vividas, procurando enfatizar sobre o tipo de relacionamento espontâneo e por que não dizer fraterno entre a comunidade peregrina, exemplo do que poderia e deveria ser o quotidiano.

Caminho Português 2013 - Peregrinos a Santiago

No regresso a casa, festa em Baiona, vídeo.






segunda-feira, 29 de julho de 2013

1.º dia do Caminho Português de Santiago

Amanhã, 30 de Julho, pelas 06:00, iniciaremos mais um Caminho de Santiago. Na bagagem transportaremos uma bandeira da cidade de Coimbra a fim de procedermos a uma simbólica homenagem às malogradas vítimas do terrível acidente de 24/07/2013

terça-feira, 16 de julho de 2013

Caminho Português de Santiago 2013

No Mosteiro de Santa Clara-a-Nova- Carimbo da Credencial
Após percorrer, em 2012, o Caminho Português de Santiago de Compostela, por terras da Beira e Trás-os-Montes e Alto Douro, até Santiago de Compostela, já procedo à contagem decrescente para mais um Caminho, desta vez ligando as cidades geminadas de Coimbra e Santiago de Compostela, passando por Mealhada, Anadia, Águeda, Oliveira de Azeméis, São João da Madeira, Porto, Vilarinho, São Pedro de Rates, Barcelos, Ponte de Lima, Rubiães,Valença, Redondela, Pontevedra, Caldas de Resis e Padrón.

Têm sido muitas as pessoas que me têm perguntado sobre as motivações destas várias peregrinações que vamos fazendo, se religiosas, culturais, históricas, férias baratas?! Não tenho sabido responder, mas, na verdade, acaba por ser um pouco de tudo.

Coimbra
Fazer os Caminhos é um ritual que tem sucedido desde 2007, com um interregno de dois anos pelo meio, com enorme entusiasmo, procurando partilhar vivências com todos os que se interessam pelo fenómeno. É, na verdade, uma experiência fantástica.
Bom Caminho, Buen Camino.



Fotos da Cidade de Coimbra

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Mobilidade - vias cicláveis em San Sebastian e o caso de Torres Vedras com as "Agostinhas"

Aqui deixo dois links que testemunham magníficos exemplos de qualidade de vida urbana em Portugal, na cidade de Torres Vedras e em Espanha, na cidade de San Sebastian. Infelizmente são que não encontram eco em Coimbra, onde, através do "Programa Civitas", os responsáveis locais perderam uma excelente oportunidade para ser bem mais audaciosos, candidatando a cidade à reformulação de arruamentos adequados à actualidade, com a introdução de ciclovias, onde os ganhos com a mobilidade sustentável seriam notórios. Peço que me desculpem, mas existe uma nítida falta de visão de pensar a Cidade.
Em Torres Vedras deve enaltecer-se a iniciativa da Câmara Municipal, ousada, sem dúvida uma iniciativa muito feliz.
Desde 2008 que venho reclamando, sempre que me é dada a oportunidade para estar próximo de alguém responsável, para uma iniciativa parecida em Coimbra, que acredito muito beneficiaria os cidadãos da nossa urbe, bem como aqueles que nos visitam, principalmente agora que tanto se fala de Coimbra Património da Humanidade, parece que só agora, em 2013, é que despertou para iniciativas estruturantes, ao fim de quase duas décadas e meia. Neste "botar de faladura" apenas ganhei ser considerado tolinho por uns e ignorante por outros, cabeças pensantes da nossa Praça, que mudam de opinião em função de conveniências, sobretudo que tragam benefícios mediáticos.
Enquanto isso as poucas vias cicláveis, construídas, vai para 15 anos, encontram-se em estado lastimável e de perigosidade. Enfim...

As Agostinhas em Torres Vedras



O Programa "Civitas" em San Sebastian 

Ciclovia em San Sebastian

quarta-feira, 10 de julho de 2013

As bicicletas e a mobilidade em Coimbra


Em Coimbra, bicicleta é termo desconhecido para os responsáveis locais. A cidade que muito poderia beneficiar em termos de mobilidade com a utilização da bicicleta em complemento ao transporte público urbano, está repleta de armadilhas para ciclistas e peões e despreza ostensivamente este meio de transporte não poluente e saudável. Os responsáveis da nossa Praça estão mais interessados em aparecer nos media do que em pensar soluções ecológicas e práticas no que à mobilidade diz respeito.
De acordo com as últimas notícias dadas à estampa na imprensa local, os estudiosos e especialistas em transportes, encarregados de pensar e propor uma solução para a nova rede dos SMTUC,  ao não contemplarem qualquer referência a este item, que bem poderia integrar o novo tarifário, prevendo a adaptação do transporte de bicicletas,  parecem não simpatizar muito com meios de transporte saudáveis e amigos do ambiente. 
Os estudos, para além da competência académica e experiência do ramo, deverão também conter a subtileza da observação de novos modos de vida citadina e caminhos para a modernidade, que no presente caso, salvo melhor opinião, não contemplam. Continua a verificar-se uma completa ausência de pragmatismo e imaginação. A um trabalho desta dimensão exige-se muito mais, sobretudo que não seja feito apressadamente, quiçá a pensar em eleições autárquicas, como parece acontecer.
Veja-se apenas o exemplo de San Sebastian que incluiu as vias cicláveis no âmbito do programa Civitas. Apetece dizer que mais parecemos burgueses novos ricos na utilização intensiva da viatura automóvel.



E não me venham com a história de que Coimbra é uma cidade que não permite a circulação de bicicletas, porque a esse digo, sem rodeios, que no mínimo andam distraídos, para não dizer algo mais desagradável. Na vizinha Espanha e por essa Europa fora, abundam bons exemplos de mobilidade urbana, em que a utilização da bicicleta, em complemento ao transporte público urbano, é um sucesso. Para citar uma cidade onde os desníveis são igualmente acentuados, como em Coimbra, temos o exemplo de Estugarda, que demonstra que a sustentabilidade da bicicleta não é apenas para cidades como Aveiro ou Figueira da Foz. Em Coimbra há imensa gente que quer andar de bicicleta e não pode! É uma garantia que transmito, fruto de inquérito efectuado voluntariamente, não oficial, mas nem por isso menos revelador. Vejam-se as concentrações em Coimbra, bem como noutras cidades do país, promovidas e divulgadas pelo Massa Crítica - Portugal e Coimbr'a'Pedal.