Finisterra e Caminho Inglês

Santiago - Finisterra - Muxia - 2008


Primeiros km depois Santiago
Saindo de Coimbra pelas sete horas, chegámos a Santiago pouco passava da uma da tarde. Antes de iniciarmos os preparativos para começar a etapa, com a montagem das rodas e a colocação dos alforges, atacámos uma enorme costeleta de novilho no “Xugo”, restaurante simpático perto da cidade universitária.

Já montados nas bicicletas passámos pela "Oficina do Peregrino", ao lado da Catedral, local que marcou o arranque da etapa, por volta das 16.00 horas.

Seguindo sempre a indicação das setas amarelas, os primeiros quilómetros foram passados a evitar algumas árvores caídas no caminho, ainda consequência do mau tempo e vendaval da semana anterior.

Vencidas as primeiras dificuldades, o percurso tornou-se mais suave depois da passagem por Ponte de Maceira, aldeia situada nas margens do rio Tambre envolta numa magnífica paisagem natural , onde se destaca a beleza do rio e a vegetação envolvente, a ponte em pedra, que remonta ao período medievo, e o aglomerado habitacional típico das aldeias galegas.

À medida que nos afastávamos de Compostela, em direcção à costa, respirava-se cada vez mais o ar puro dos bosques, que nem mesmo os pequenos fragmentos de bosta de vaca, sarapintados nas nossas pernas e bicicletas não conseguiam contrariar


Negreira
O propósito de chegar a Oliveiroa no mesmo dia era praticamente inatingível, face à hora tardia do começo da etapa, assim optou-se por pernoitar inicialmente no albergue de Negreira. Como tal se mostrou impossível, a alternativa foi por ficar numa residencial, também em Negreira, que nos permitisse um banho retemperador para ajudar a vencer a dura jornada que se adivinhava no dia seguinte.

Por muito que se possa escrever e por à evidência as fotografias mais sugestivas, fazer o caminho é uma verdadeira paixão e um prazer incrível, quer pela beleza envolvente, quer pelo convívio, quer ainda pela atmosfera que se respira. O stress desaparece por completo e inebriamo-nos pelos elementos paisagísticos, culturais, históricos, enfim por um misticismo milenar que nos transcende e nos transporta para a abstracção de todos os problemas do quotidiano.

Os primeiros raios de sol
Para encerrar o primeiro dia, um passeio nocturno por Negreira, para descomprimir, e, naturalmente, o merecido jantar para compensar o esforço dispendido na jornada.

A saída pelas 07.00 da manhã, obrigou à colocação de "perneiras", apenas o Quim resistiu à colocação das mesmas. O pequeno almoço na residencial foi insuficiente face ao ritmo que empreendemos e rapidamente foi absorvido. A etapa adivinhava-se longa, e, tendo em conta os primeiros quilómetros percorridos, antevia-se fantástica. Foi com satisfação que convivemos com a belíssima paisagem galega, e respirámos o perfume dos bosques.


Oliveiroa - Quarto de albergue num milheiro
Em Oliveiroa, pequeno povoado típico da Galiza, parámos para colocar o sêlo no albergue de peregrinos, que tem a particularidade de dispor de quartos adaptados em "milheiros", 

O cheiro do mar já se começava a antever. A dado momento em que caminho de desdobrava em duas alternativas, para aceder ao mesmo ponto, ultrapassei os meus companheiros de viagem, pensando que estivessem para a frente. Como não os via, e a falta de bateria no telemóvel não permitia o reagrupamento, forcei a pedalada quanto pude, aproveitando o vento a favor, num troço rápido de um planalto com uma vista deslumbrante.

Passei como uma flecha por uma feira medieval, em local ermo e mas interessantíssimo atendendo à paisagem envolvente o meu atraso impediu paragem. Continuei a pedalar a bom ritmo, com o mar no horizonte, a vista do mesmo, a partir do planalto forçou uma paragem obrigatória, justificadíssima. "Os raios de sol a incidir sobre a água, produziam uma tela em tons de azul e platina, simplesmente deslumbrante.

O mar de Finisterra, em baixo a baía de Corcubion.
Finisterra à vista, ainda que tapada por uma pequena cadeia de montes. Quase sem dar por isso, depois de ter parado para fazer algumas fotos, deparei-me com uma descida rapidíssima, de inclinação bem acentuada. Cerrei bem os dentes e, o medo de um "espalhanço” deu lugar a uma certa adrenalina. Bem que foram importantes as dicas que o Aguiar e o Quim, por mero acaso, me tinham dado na véspera. A satisfação de ter vencido um percurso bem difícil e arriscado, foi fantástica, tendo em conta a minha pouca aptidão para troços mais técnicos.

Ao fim desta "façanha" sucedeu a entrada em Corcubion. Logo que entrei na primeira cafetaria e assim que me prestava para telefonar, reparei que o Quim e o Aguiar também tinham acabado de chegar. As duas vias de opção que circundaram o santuário da povoação que antecedeu a Corcubion, originaram estes desencontros.

Passeio à beira mar
O mar estava a convidar, e decidimos responder ao apelo da forma que se impunha, refrescando o corpo para os quilómetros que ainda faltavam para chegar a Muxia.

Depois do banho, seguiu-se o almoço em Corcubion, e um passeio de bicicleta pela praia. A Finisterra chegámos perto das 18:00, as pernas, já cansadas, começavam a reclamar dos perto de 80 a 90 quilómetros já percorridos.

Apesar do adiantado da hora ,decidimos seguir para Muxia. A noite começava lentamente a cair, como o Quim e o Aguiar estavam mais frescos, pedi-lhes para irem na frente, de modo a chegarem mais cedo à pousada. Devido à pouca luz e à urgência em chegar a Muxia, abandonámos o troço que seguíamos e optámos por uma via paralela, que permitia o encurtar de caminho.

Cabo Finisterra
Finalmente quando já me encontrava a 3 Kms de Muxia, recebo um telefonema do Quim, tinham encontrado uma Casa de Turismo Rural, e, era lá que iríamos pernoitar, deixando Muxia para o dia seguinte.

Depois da magnífica e dura jornada, o merecido repouso na casa de Fonte Queiroso. O jantar farto, e, sobretudo, rico em boa comida, manteiga caseira a barrar um pão saboroso, peixe, sobremesa, enfim o que nos faltava para finalizar a etapa. 


No dia seguinte, após o excelente pequeno almoço -não dá para esquecer aquela manteiguinha gostosa no pão- percorridos os primeiros quilómetros de uma jornada que se antevia longa, até Santiago, o Quim ficou com uma roda da bicicleta danificada. Como diz o ditado, há males que vêm por bem. Assim, pudemos percorrer, em calma, a povoação de Muxia, convivemos com as peregrinas espanholas, por sinal bastante simpáticas e divertidas.

Muxia
Uma heróica ciclista alemã, que percorreu cerca de 2000 kms, de bicicleta, com uma mochila às costas. Ainda nos convidou para que ficássemos por ali na sua companhia, para o dia seguinte, mas tal era impossível. Neste caso o tempo contado impedia que fossemos simpáticos. Depois do almoço, na esplanada de um restaurante típico galego, seguiu-se a viagem de autocarro até Santiago, o convívio com as peregrinas espanholas foi engraçado, e, por fim a chegada a Santiago, e, os preparativos para a viagem até Coimbra.

Veja aqui o Clip de vídeo da jornada.   

Caminho Inglês 2009

Um pouco da história


Ferrol - Início do Caminho
O Caminho Inglês foi uma rota de peregrinação jacobeia  muito utilizada na Idade Média, em alternativa à rota mais seguida pelos peregrinos, o Caminho Francês.

Aos portos de Ferrol e Corunha, assim como a Ribadeo e Viveiro, afluíam peregrinos de barco provenientes das ilhas britânicas, das penínsulas escandinavas, alemães e flamengos.

No século XII, mais precisamente no ano de 1147, a esquadra da Segunda Cruzada, com destino à Terra Santa, de má memória para os cristãos, efectuou, a pé, o caminho entre os portos Ferrol e da Corunha e Santiago de Compostela, com o fim de visitar o túmulo do apóstolo, antes de participar naquela que foi a única vitória cristã, precisamente a reconquista de Lisboa, em 1147, sob a solicitação de Dom Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal. 

Torre dos Andrades - Pontedeume
Do primeiro itinerário marítimo conhecido,  sabe-se que foi escrito entre 1154 e 1159, por um monge islandês, que relata a sua viagem desde a Islândia até Bergen na Noruega, passando pelo canal de Kiel, na fronteira entre a Dinamarca e Alemanha.  O monge seguiu a pé até Roma, a caminho da Terra Santa, outros, escandinavos e islandeses, fizeram a rota a pé, por Roncesvalles, enquanto outros aportaram ao norte da Península Ibérica, fazendo depois a rota a pé, pelo Caminho Inglês até Santiago.

Nos séculos XIV e XV a Guerra dos Cem Anos, entre ingleses e franceses, fez crescer os utilizadores deste itinerário, com muitos peregrinos a chegarem de barco aos locais atrás referidos, e provenientes de Londres, Bristol, Southampton e Plymouth, aproveitando também para efectuar trocas comerciais com mercadores galegos.

O Caminho Inglês conheceu passou a ser pouco menos utilizado a partir da ruptura assumida por Henrique VII (1509-1549) com a Igreja Católica.


O meu Caminho Inglês em 2009


Gare de Compostela
Em 04 de Setembro de 2009 iniciámos a viagem de automóvel de Coimbra até Santiago de Compostela.

O planeado era viajar de  comboio até à Corunha e daqui fazer a ligação a Ferrol em bicicleta, para percorrer o Caminho Inglês até Compostela em dois dias.

Assim, nesse mesmo dia 4 de Setembro fomos dormir no albergue de Neda, para iniciar no dia seguinte a nossa empresa. O albergue ficou por nossa conta, apenas um peregrino alemão nos fez companhia.

Ligação Corunha-Ferrol
Em 2008, quando em companhia do Joaquim Tavares e do José Botelho fizemos o Santiago-Finisterra - Muxia,  já tinha ficado no ar a intenção de fazermos um  Caminho em 2009,  mais tarde decidimos que seria o Caminho Inglês, a partir de Ferrol. Também o poderíamos ter percorrido a partir da Corunha ou mesmo Ribadeo, a dúvida subsistiu quase até ao fim.

Em Ferrol, para além se tomar o pequeno almoço, aproveitámos para visitar e fotografar a cidade natal do Caudilho, o General Franco, figura controversa e incontornável que marcou sem dúvida um longo período da história de Espanha e peninsular.


Ferrol - Praça do Caudilho

Para além de uma volta pelo centro histórico, aproveitámos para espreitar o arsenal da marinha espanhola. No Porto Antigo, iniciámos o Caminho, precisamente junto ao marco que o assinala. Prosseguimos paralelos à baia de Ferrol até chegar a Neda, onde dormíramos na véspera e onde nos cruzámos com a sinalização do caminho que leva ao santuário de Santo André de Teixido.

Ponte pedonal - Neda
Também conhecido como Santo André de Lonche ou Santo André do Cabo do Mundo e que se situa  a cerca de 12 km de Cedeira, no meio da serra da Capelada, em redor da costa de Ortegal,escondido entre penhascos e bosques, numa zona de escarpada orografia, o lugar está protegido de temporais, com características de promontórios celtas, que procuravam espaços mágicos que penetrassem no mar.

Assim, de Neda seguimos para Fene, passando perto dos estaleiros e a partir desta localidade subimos um monte até encontrarmos a estrada paralela ao Caminho que nos levou a Cabanas, 

Playa da Magdalena - Cabanas
Antes, porém, o Botelho e o Joaquim, enquanto bebiam a sua cervejinha resolveram  tirar todas as medidas da praia de Cabanas!!  No meu caso preferi adoptar uma atitude mais deinteressada, face à paisagem das montanhas!!!


Em Pontedeume  apreciei o seu excelente enquadramento paisagístico, onde a ponte, a baia e a Torre dos Andrades são, sem dúvida, os seus ex-libris.
Pontedeume
Depois de Bañobre, cruzámos a ponte medieval sobre o río Baxoi, coincidindo com o Caminho Real, andámos cerca 300m. por um caminho de terra até chegar a Miño , onde gozámos um banho na ria e nos deliciámos com a cozinha galega, num restaurante integrado na zona verde contígua à praia.

 Ponte medieval sobre o río Baxoi,
Particularmente saboreei uns magníficos Chipirones, enquanto o Quim e o Zé se entretiveram com um bem confeccionado prato de carne de cerdo  e batatinhas fritas.

Após o banho na praia e a farta refeição, quem iria vencer a subida de forte inclinação, apenas pela sombra de proveniente de frondosos bosques de carvalhos e castanheiros, para chegar a Betanzos?!

Praça central de Betanzos, antiga capital da Galiza

Mas, lá tivemos que prosseguir para  a bonita cidade Betanzos, antiga capital da Galiza, onde decidimos pernoitar. Trata-se de uma cidade tipicamente galega, banhada pela ria que lhe dá o nome e a graça.

O Caminho Inglês caracteriza-se sobretudo pelo verde dos bosques, com uma primeira parte a decorrer paralela à ria de Ferrol e depois de Betanzos. As duas subidas de relevo mais acentuado, embora difíceis, também não nada que não se possa fazer.

Peregrinos a cavalo no Caminho Inglês
É um Caminho tranquilo onde se convive muito bem com a natureza e a pacatez do quotidiano rural galego. A sombra dos bosques na maior parte do seu trajecto ajuda a torná-lo bastante agradável de percorrer.

Os Três Santiagos Matamouros 
A chegada a Santiago é sempre mítica, com o aproximar da Praça do Obradoiro sente-se mais presente o espírito do Caminho . Quase em sobreposição à alegria de mais uma etapa cumprida, é indisfarçável uma certa nostalgia, ficando a ideia, quase o compromisso, de repetir no ano seguinte.






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