quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Serra da Estrela: Rota do Vale Encantado

De Manteigas ao Vale do Rossim - Penhas Douradas



Percurso circular com início e fim em Manteigas, extensão de 66,48 km.Piso misto de asfalto e terra. Pontos de passagem: Viveiro das Trutas, Covão D’ametade, Lagoa Comprida, Albufeira do Covão do Forno, Albufeira do Lagoacho, Vale do Rossim.






A resposta ao desafio do amigo Rui Salgado para ir até à Serra da Estrela, partindo de Manteigas pedalando pelo Vale Glaciar, foi aceite de bom grado e os preparativos começaram de imediato a ser desenvolvidos.

Ao chegar à vila serrana já tinha a aguardar-me os “judeus” Rui Salgado e Katu, que apontavam de forma reprovadora para os relógios, pelo rigoroso cumprimento do quarto de hora académico, relativamente ao horário previamente acordado para o encontro, na verdade foi meia hora académica, embora ainda tivéssemos uma serra do tamanho do mundo pela frente, também as horas ainda eram muitas!

Passagem sobre o Zêzere

Após as saudações da praxe, coloquei as rodas no quadro e lá fomos os três na direcção do vale, optámos por subir pela vertente da encosta oposta à estrada nacional 338, por um estradão de terra que nos leva também paralelo ao rio Zêzere, o qual iríamos atravessar num local verdadeiramente, para tomar a estrada da vertente oposta, para sul, no sentido das Penhas da Saúde. 




Enquanto prosseguimos a subida íamos encontrando concorrentes do “Trail de Manteigas” em sentido oposto, a descer o vale. Íamos forçando paragens a fim de permitir a passagem de concorrentes em locais mais estreitos, dedicando estes breves momentos de pausa à admiração da vertente cénica envolvente, que para além da bela e magnificente paisagem, também nos propiciava respirar o maravilhoso ar puro da montanha.



Vale Encantado

O dia apresentava-se com um imenso sol radioso, com a temperatura talvez um pouco elevada para esta altura do ano, mas o nosso caminho prosseguia com a chegada a um dos locais mais interessantes do percurso, sem dúvida um dos sítios naturais mais deslumbrantes da serra, o Covão d’ametade, local por onde se estende o leito do rio Zêzere, logo após a sua nascente.



Covão d'ametade
O local convida ao lazer, seja a caminhar ou a desfrutar de um piquenique, contudo continuámos a subida em direcção à Torre, sem dúvida o ponto mais alto e ponto da etapa mais duro. 


Há medida que nos aproximávamos do ponto mais alto, quer pelo número de quilómetros que se acumulavam, quer pela dureza do declive, o cansaço ia tomando conta de nós, embora continuássemos a resistir. Contemplar a Lagoa do Viriato e a passagem pela Nave de Santo António funcionou um pouco como um bálsamo, mas rapidamente entrámos no modo de subida, e assim foi até à chegada à Torre.


Flores de Maio
Para o Rui, bem como para o autor destas linhas foi a segunda subida, por coincidência em conjunto, depois da épica subida do Adamastor, a culminar a memorável tripla jornada Lousã, Açor, Estrela. Em 2015. No caso do Carlos foi o seu baptismo na Serra da Estrela. 

Como é da praxe, a tradicional sanduíche de queijo e presunto no alto da Torre não se pode dispensar e claro, não nos fizemos rogados a tal prática, que apreciámos particularmente de bom grado e com satisfação.

Lagoa do Viriato

Iniciámos, a partir da Torre a segunda parte do passeio, em direcção à Lagoa Comprida. Aqui chegados abandonámos a EN339, sentido Sabugueiro e prosseguimos sob a levada que nos conduziria à pequena albufeira do Covão do Forno, sobranceira à albufeira do Covão do Curral que se situa num plano imediatamente inferior à estrada nacional.




Continuámos a pedalar sobre a levada com uma vista impressionante sobre o vale, ladeando os Malhadais do Cavalo, onde um tapete de flores silvestres decorado com tons primaveris emprestava ao cenário envolvente uma aura tocante. Com fim da continuidade da levada, junto a uma pequena moradia de montanha, descemos à EN339, prosseguindo não mais que duas centenas de metros, para enveredar por um estradão de terra, paralelo a outra levada, proveniente da Albufeira do Lagoacho.


Barragem do Covão do Forno

O percurso, um misto de terra e brita, paralelo à levada, é extraordinário pela impressionante panorâmica que se pode alcançar sobre o vale, com a aldeia do Sabugueiro povoação de origem antiga, situada a uma altitude superior a 1000 metros, ocupando uma vertente soalheira, sobranceira ao rio Alva, beneficiando das condições de abrigo do vale e da abundância de água. 

Levada do Covão do Forno
Distinguem-se na paisagem os blocos graníticos de grandes dimensões, transportados pelos gelos do último período glaciário, de há mais de 10 mil anos.
Após a primeira parte do dia dedicada ao vale glaciar, onde o esforço da subida, mesmo que mitigado pelo encanto do sinuoso percurso, deixou algumas marcas, provenientes sobretudo da fadiga acumulada, era agora altura para usufruir de um passeio mais suave, embora a dureza do trajecto, com muita pedra solta, acabasse por contrariar as primeiras expectativas de pedalada fácil.

Levada da Barragem do Lagoacho
A segunda parte do percurso pode ser cognominado como caminho das lagoas e das levadas, uma vez que grande parte da sua extensão entre a Lagoa Comprida e a represa do Vale do Rossim, se desenvolve precisamente entre represas ao longo das levadas.
O Vale do Rossim, situado a cerca de 1.400 metros de altitude, é dominado pelo lençol de água criado pela represa e por uma envolvente paisagística de grandes blocos graníticos ladeada por uma vegetação de bosques densos.



Trilho para barragem do Lagoacho
A barragem do Vale do Rossim, existente desde 1956, faz parte da rede de aproveitamentos hidroeléctricos construída em Portugal a partir da década de 40 do século XX. Ali bem próximo fica a nascente do Mondeguinho, um dos ex-libris paisagísticos mais conhecidos da Serra da Estrela e que assinala a nascente do rio Mondego. 
A lagoa da albufeira do Vale do Rossim é aproveitada pelas gentes da serra no verão que desfrutam de uma bela praia fluvial agradável e de excelente envolvência.

Albufeira do Lagoacho
Quase em fim de trajecto, ainda haveria que subir até à cota dos 1500 m onde finalmente demos sequência ao regresso em direcção ao ponto de partida, na vila de Manteigas.

Porém ainda haveria lugar para uma derradeira paragem, a fim de conhecer e apreciar um exemplo sui-generis da arquitectura habitacional do século XIX, a Casa da Fraga, erigida num lugar ermo da serra, no passado século XIX, diz-se que foi a sua edificação que esteve na génese do surgimento das Penhas Douradas, tal qual a conhecemos, estância turística de repouso procurada sobretudo pelos seus bons ares.


Barragem do Lagoacho
É mesmo possível que as Penhas Douradas, lá do alto dos seus 1500 metros, muito provavelmente não seriam o que são agora se não fosse a existência da Casa da Fraga. Na verdade a visibilidade deste canto da Serra da Estrela começou com uma expedição organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, no último quartel do distante século XIX. O objectivo era fundar sanatórios que, como há imagem de outros países, como exemplo a Suíça, pudessem curar doenças de foro pulmonar.


Vale do Rossim
A convicção de que as condições climatéricas, na encosta norte da serra, eram uma boa solução para o tratamento bem-sucedido às patologias respiratórias, atraíram, no último quartel do século XIX, Alfredo César Henriques, que sofria de tísica pulmonar e confiou nos ares da Serra da Estrela, aqui tendo construído uma casa lindíssima, camuflada na paisagem natural que a envolvia.




Casa da Fraga
O epílogo do passeio, a partir da Casa da Fraga, consistia no regresso a Manteigas através do caminho / estradão pela Cruz das Jogadas, descendo de seguida à vila, contudo este plano foi atraiçoado por uma momentânea distracção que nos “empurrou” pela N232. 

Uma vez na estrada, a descer vertiginosamente, a altura era para aproveitar e ir gozando o ventinho no rosto. Enquanto agora a preocupação era apenas travar e seguir com precaução, relembrava os quilómetros percorridos, aproveitando para fazer o rescaldo de uma jornada tão extenuante quanto sublime.

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