De Manteigas ao Vale do Rossim - Penhas Douradas
Percurso circular com início e fim em Manteigas, extensão de 66,48 km.Piso misto de asfalto e terra. Pontos de passagem: Viveiro das Trutas, Covão D’ametade, Lagoa Comprida, Albufeira do Covão do Forno, Albufeira do Lagoacho, Vale do Rossim.
Ao chegar à vila serrana já tinha a aguardar-me os “judeus” Rui Salgado e Katu, que apontavam de forma reprovadora para os relógios, pelo rigoroso cumprimento do quarto de hora académico, relativamente ao horário previamente acordado para o encontro, na verdade foi meia hora académica, embora ainda tivéssemos uma serra do tamanho do mundo pela frente, também as horas ainda eram muitas!
Após as saudações da praxe, coloquei as rodas no quadro e lá fomos os três na direcção do vale, optámos por subir pela vertente da encosta oposta à estrada nacional 338, por um estradão de terra que nos leva também paralelo ao rio Zêzere, o qual iríamos atravessar num local verdadeiramente, para tomar a estrada da vertente oposta, para sul, no sentido das Penhas da Saúde.
Enquanto prosseguimos a subida íamos encontrando concorrentes do “Trail de Manteigas” em sentido oposto, a descer o vale. Íamos forçando paragens a fim de permitir a passagem de concorrentes em locais mais estreitos, dedicando estes breves momentos de pausa à admiração da vertente cénica envolvente, que para além da bela e magnificente paisagem, também nos propiciava respirar o maravilhoso ar puro da montanha.
![]() |
Vale Encantado |
![]() |
Covão d'ametade |
O local convida ao lazer, seja a caminhar ou a desfrutar de um piquenique, contudo continuámos a subida em direcção à Torre, sem dúvida o ponto mais alto e ponto da etapa mais duro.
Há medida que nos aproximávamos do ponto mais alto, quer pelo número de quilómetros que se acumulavam, quer pela dureza do declive, o cansaço ia tomando conta de nós, embora continuássemos a resistir. Contemplar a Lagoa do Viriato e a passagem pela Nave de Santo António funcionou um pouco como um bálsamo, mas rapidamente entrámos no modo de subida, e assim foi até à chegada à Torre.
![]() |
Flores de Maio |
Para o Rui, bem como para o autor destas linhas foi a segunda subida, por coincidência em conjunto, depois da épica subida do Adamastor, a culminar a memorável tripla jornada Lousã, Açor, Estrela. Em 2015. No caso do Carlos foi o seu baptismo na Serra da Estrela.
Como é da praxe, a tradicional sanduíche de queijo e presunto no alto da Torre não se pode dispensar e claro, não nos fizemos rogados a tal prática, que apreciámos particularmente de bom grado e com satisfação.
![]() |
Lagoa do Viriato |
Iniciámos, a partir da Torre a segunda parte do passeio, em direcção à Lagoa Comprida. Aqui chegados abandonámos a EN339, sentido Sabugueiro e prosseguimos sob a levada que nos conduziria à pequena albufeira do Covão do Forno, sobranceira à albufeira do Covão do Curral que se situa num plano imediatamente inferior à estrada nacional.

![]() |
Barragem do Covão do Forno |
O percurso, um misto de terra e brita, paralelo à levada, é extraordinário pela impressionante panorâmica que se pode alcançar sobre o vale, com a aldeia do Sabugueiro povoação de origem antiga, situada a uma altitude superior a 1000 metros, ocupando uma vertente soalheira, sobranceira ao rio Alva, beneficiando das condições de abrigo do vale e da abundância de água.
![]() |
Levada do Covão do Forno |
Após a primeira parte do dia dedicada ao vale glaciar, onde o esforço da subida, mesmo que mitigado pelo encanto do sinuoso percurso, deixou algumas marcas, provenientes sobretudo da fadiga acumulada, era agora altura para usufruir de um passeio mais suave, embora a dureza do trajecto, com muita pedra solta, acabasse por contrariar as primeiras expectativas de pedalada fácil.
![]() |
Levada da Barragem do Lagoacho |
O Vale do Rossim, situado a cerca de 1.400 metros de altitude, é dominado pelo lençol de água criado pela represa e por uma envolvente paisagística de grandes blocos graníticos ladeada por uma vegetação de bosques densos.
![]() |
Trilho para barragem do Lagoacho |
A barragem do Vale do Rossim, existente desde 1956, faz parte da rede de aproveitamentos hidroeléctricos construída em Portugal a partir da década de 40 do século XX. Ali bem próximo fica a nascente do Mondeguinho, um dos ex-libris paisagísticos mais conhecidos da Serra da Estrela e que assinala a nascente do rio Mondego.
A lagoa da albufeira do Vale do Rossim é aproveitada pelas gentes da serra no verão que desfrutam de uma bela praia fluvial agradável e de excelente envolvência.
![]() |
Albufeira do Lagoacho |
Quase em fim de trajecto, ainda haveria que subir até à cota dos 1500 m onde finalmente demos sequência ao regresso em direcção ao ponto de partida, na vila de Manteigas.
Porém ainda haveria lugar para uma derradeira paragem, a fim de conhecer e apreciar um exemplo sui-generis da arquitectura habitacional do século XIX, a Casa da Fraga, erigida num lugar ermo da serra, no passado século XIX, diz-se que foi a sua edificação que esteve na génese do surgimento das Penhas Douradas, tal qual a conhecemos, estância turística de repouso procurada sobretudo pelos seus bons ares.
![]() |
Barragem do Lagoacho |
É mesmo possível que as Penhas Douradas, lá do alto dos seus 1500 metros, muito provavelmente não seriam o que são agora se não fosse a existência da Casa da Fraga. Na verdade a visibilidade deste canto da Serra da Estrela começou com uma expedição organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, no último quartel do distante século XIX. O objectivo era fundar sanatórios que, como há imagem de outros países, como exemplo a Suíça, pudessem curar doenças de foro pulmonar.
![]() |
Vale do Rossim |
A convicção de que as condições climatéricas, na encosta norte da serra, eram uma boa solução para o tratamento bem-sucedido às patologias respiratórias, atraíram, no último quartel do século XIX, Alfredo César Henriques, que sofria de tísica pulmonar e confiou nos ares da Serra da Estrela, aqui tendo construído uma casa lindíssima, camuflada na paisagem natural que a envolvia.
![]() |
Casa da Fraga |
O epílogo do passeio, a partir da Casa da Fraga, consistia no regresso a Manteigas através do caminho / estradão pela Cruz das Jogadas, descendo de seguida à vila, contudo este plano foi atraiçoado por uma momentânea distracção que nos “empurrou” pela N232.
Uma vez na estrada, a descer vertiginosamente, a altura era para aproveitar e ir gozando o ventinho no rosto. Enquanto agora a preocupação era apenas travar e seguir com precaução, relembrava os quilómetros percorridos, aproveitando para fazer o rescaldo de uma jornada tão extenuante quanto sublime.
Sem comentários:
Enviar um comentário