terça-feira, 15 de abril de 2025

Ao "Sabor" de Trás-os-Montes

 

Ecopista do Sabor

Na Rota da Terra Fria - 1.ª Jornada: Duas Igrejas-Miranda do Douro a Carviçais, 73.68 km


Fig1: Antiga Estação Ferroviária de Duas Igrejas
Edifício passageiros
  

Trás-os-Montes e Alto Douro, mais especificamente a aldeia de Duas Igrejas, no concelho de Miranda do Douro, foi o destino da rota previamente traçada, na qual o grupo de protagonistas saídos da malta do costume, um elenco constituído pelo Manuel Cordeiro, João Neves, Gustavo Baeta, JP Simões e AJ Soares, que vos risca estas letras, foi pedalando e vivendo estórias divertidas, em duas jornadas  perfeitas pelo planalto transmontano.

Já pertinho do final da tarde a totalidade do grupo encontrou-se, finalmente, na Associação Cultural Pauliteiros de Miranda,  local de encontro com o Sr. Carlos Pera, Presidente da Junta de Freguesia de Duas Igrejas, que amavelmente nos autorizou a pernoitar no salão da Associação, e ao qual agradecemos a pronta disponibilidade. Um bem-haja Sr. Carlos, um bom amigo que conhecemos em terras transmontanas, a quem o grupo ficou indubitavelmente reconhecido.


Fig.2: Ecopista do Sabor
Após tantas horas na estrada uma boa janta vinha a calhar e assim aconteceu, no restaurante da Associação de Pauliteiros, onde o Sr. André e esposa nos serviram uma agradável sopa de legumes quentinha, e uma excelente carne assada de vitela, refeição que foi rematada para os mais gulosos com um delicioso docinho. Não vou escrever que alguns tiveram direito a “Chiripiti” parecia mal… 

Com um frio de rachar, pernoitar no salão multiusos da Associação de Pauliteiros veio mesmo a calhar. No entanto, com cinco roncadores a dormir no mesmo espaço, imaginem, caros leitores, a sinfonia, que para ali reinava!!! De sono fácil e tranquilo não serei talvez a pessoa indicada para descrever o fabuloso concerto musical!  Houve, no entanto, quem, não logrando dormir, fosse forçado a apreciar por muito tempo a harmoniosa melodia de “ressonares” diversos, firmemente desperto.


Fig.3:Antiga Estação Ferroviária de Sendim
Edifício passageiros

Pelas 07.00h já o Manuel andava de volta da granola, do iogurte e das bananas, contudo teria ainda de aguardar pelas 09:00h, altura em que nos atirámos finalmente ao café e às torradas, preparadas na Associação dos Pauliteiros. Após os indispensáveis preparativos da viagem, demos início à dupla jornada a pedal pela antiga linha ferroviária do Sabor, com início na antiga estação de Duas Igrejas, assinalava o relógio as 09:35h.

 



Fig.4:Antiga Estação Ferroviária de Urrós

A antiga estação ferroviária de Miranda do Douro, situada em Duas Igrejas, topo e término da Linha do Sabor, foi inaugurada a 22 maio de 1938 e conheceu o seu dia mais triste, precisamente a 1 de agosto de 1988, data do seu encerramento. Esta data insere-se numa década que deu início ao encerramento sucessivo de várias estações e linhas regionais por todo o país, décadas de triste memória, marcadas pelo galopante declínio do serviço ferroviário no país, vítima de falta de investimento, por ausência de visão estrutural e políticas erráticas e a favorecer grupos e interesses para os quais era mais conveniente canalizar fundos estruturais, tendo como consequência inevitável o arrastar do país para um atraso civilizacional com danos  irreparáveis e custos imprevisíveis.


Apesar de em muito mau estado, a estação de Duas Igrejas ainda conserva o seu edifício de passageiros, o cais coberto fechado, o posto de manutenção com fosso, o depósito de água, dormitório e casas de habitação. É, no entanto, verdadeiramente confrangedor, que património arquitectónico tão significativo se encontre em manifesto estado de abandono.

Fig.5:Antiga Estação Ferroviária de Mogadouro
Edifício passageiros

Na antiga estação destaca-se o edifício de passageiros, com fachadas de dois pisos, que evidencia na fachada principal os nove painéis de azulejos figurativos policromos, de Gilberto Renda, alusivos a monumentos e actividades agrícolas da região, que formam silhar. Na guarda da janela de sacada destaca-se um painel com escudo de Portugal onde se pode ver ainda a inscrição: "CAMINHOS DE FERRO DO ESTADO". A fachada lateral esquerda, virada a sudoeste, tem um painel toponímico azul, a lateral direita ostenta quatro painéis de azulejos figurativos policromos e um painel toponímico azul e a fachada posterior, virada a noroeste, tem seis painéis de azulejos figurativos policromos. O piso térreo destinava-se às funções ferroviárias e ao público e o segundo a residência do chefe da estação.



Fig.6:A pedalar para Vilar de Rei

A ligação ferroviária do Sabor era feita em via estreita, entre a estação do Pocinho, na Linha do Douro e a estação de Duas Igrejas em Miranda do Douro. Após a sua desactivação a linha foi abandonada tendo o seu património sido progressivamente pilhado e delapidado. O canal da linha que ainda resta deu lugar a uma magnífica Ecopista que agora experimentámos percorrer e, malgrado o frio que nesta manhã se fazia sentir, o pedalar,  tudo faz esquecer.



Fig.7: Em Quinta das Quebradas

O gozo de pedalar no percurso em macadame pelo canal da antiga linha que atravessa a área protegida do Parque Natural do Douro Internacional, podendo desfrutar de uma envolvente cénica fantástica, circundados por enormes extensões de cultivo de cereais, olival tradicional e montados de sobro. Embora de mais difícil observação, para quem pedala, assinale-se também a existência na região de uma ímpar variedade biológica.


A contribuir para a qualidade do passeio só faltava mesmo um primeiro contratempo. Neste caso a sorte bafejou o Gustavo, com a ocorrência de um pequeno furo, situação pronta e solidariamente resolvida, um pouco antes de cumprida a primeira secção, de 12 km, pelo canal da antiga linha, na estação ferroviária de Sendim.  Tendo como objectivo o aprovisionamento para o caminho, efectuámos uma incursão à vila, acrescentando 2 km  ao percurso, retomando onde o deixáramos.

Fig.8: Entre Quinta das Quebradas e Estevais

Já a antiga estação ferroviária de Sendim, com o conjunto de edifícios também inaugurados em 1938, embora mais modestos, seguem o mesmo estilo arquitectónico, preservando o edifício de passageiros, o cais coberto fechado, o edifício das instalações sanitárias e um edifício de habitação em irrepreensível estado de conservação e ainda o depósito de água.

O edifício das instalações sanitárias, reabilitado como os demais, encontra-se ao serviço de quem usufrui da Ecopista, assim como dos utilizadores em geral e está situado a meia dúzia de metros a sul do edifício de passageiros, ostentando nas paredes exteriores silhar de azulejos de padrão policromo.

Depois de Sendim continuámos a pedalar pelo planalto transmontano, seguindo em direcção a Mogadouro através da N221. Apenas em breves ocasiões retomámos o canal da antiga linha, como aconteceu no momento da confluência no cruzamento para Urrós e Bemposta, onde nos deparámos com o que resta do edifício do antigo apeadeiro de Urrós, barbaramente vandalizado e delapidado. A velha e inocente questão pode sempre colocar-se: como é possível os altos responsáveis, decisores políticos, deixarem este estado de coisas acontecer?!

Fig.9: Quintada Estrada

Após a passagem na pequena povoação de Santiago continuámos a pedalar pela estrada N221 rumo a nova visita e a mais uma paragem numa estação sem vida. Na freguesia de Vila de Ala, junto ao enorme silo cerealífero da extinta EPAC, encerrado por força do declínio da produção cerealífera nesta região do país, ocorrida na última metade do século passado, que constituiu também uma das razões para o progressivo e definitivo encerramento da linha ferroviária do Sabor, situa-se a antiga estação ferroviária de Mogadouro.   

Em estado de perfeito abandono, quase ruinoso, a estação de Mogadouro engloba o conjunto composto por edifício de passageiros, cais coberto, edifício das instalações eléctricas, depósito de água, oficina e habitações de pessoal. O edifício de passageiros, de linhas mais singelas que os anteriormente observados, segue, no entanto, o mesmo estilo arquitectónico. Trata-se de um edifício de planta poligonal, apresentando fachadas de dois pisos, percorridas por soco de cantaria.


Fig.10: Carviçais
Na fachada virada à linha, ainda resistem azulejos policromos, formando silhar, rematadas em duplo friso e cornija de cantaria.Nas laterais sobram ainda painéis de azulejo toponímicos. Na fachada posterior à principal, virada a poente, e voltado para o canal da antiga linha, em plano central, um alpendre parcialmente abatido, apoia-se sobre colunas de cantaria.

O espaço exterior adjacente ao antigo edifício de passageiros foi o local escolhido para acampar e dar o devido encaminhamento à “bucha”. O sossego do momento, por certo em oposição com o bulício ali verificado no passado em razão do vai e vem de viandantes, não era motivo de exultação.

 Após o repasto prosseguimos pelo canal da antiga linha na direcção da estação de Vilar de Rei, novamente na rota das estações sem vida, num território tristemente abandonado e negligenciado, não se compreendendo a existência de tão acentuadas assimetrias de desenvolvimento regional, num território que no passado nos deu e continua a dar de comer e que é merecedor de olhares mais esclarecidos e de melhores políticas, vindas de melhores políticos, quiçá das gerações vindouras.


Fig.11: Edifício de passageiros e cais coberto
De Vilar de Rei pedalámos por uma via estreita asfaltada até Vale do Porco e daqui pela mesma estrada, com uma envolvente cénica incrível, continuámos a desfrutar logrando atingir uns quilómetros adiante a povoação de Castelo Branco. Aqui chegados, apesar de apenas percorridos 50 km, o cansaço já se começava a apoderar de alguns, em razão das frequentes paragens, sobretudo em razão dos instantâneos fotográficos que a paisagem desperta. Até lograrmos alcançar o lugar de Carviçais não perdemos muito tempo, uma vez que pedalámos a bom ritmo, com vontade de chegar ao conhecido “Artur da Posta”, onde, certamente, esperaria por nós uma boa posta mirandesa.  

A estadia e o convívio excederam as melhores expectativas permitindo enfrentar a segunda jornada com vontade redobrada.

Na Rota da Terra Quente – 2.ª Jornada: Carviçais-Torre de Moncorvo-Pocinho, 36.79km





Fig.12: Albufeira de Vale de Ferreiros

Esta segunda jornada convidava a que se rolasse mais calmamente, atendendo às características do percurso, maioritariamente em rampa descendente e bem menos extenso que o da véspera. Mas nem a perspectiva de uma jornada mais suave acalmou o já conhecido frenesim do Manuel na hora de acordar. Se algum dia se lembrar de imitar um galo ou tocar alguma corneta, estaremos desgraçados! Depois de toda a malta pronta seguiu-se o gostoso repasto matutino, com o regresso à “linha” a efectuar-se na companhia de um sol radioso, o que deixava antever uma magnífica jornada.

Fig.13: Paisagem dominada pelas giestas floridas

Começámos logo a pedalar na direcção da aldeia de Carviçais passando na antiga estação ferroviária, que ainda conserva o edifício de passageiros e o cais coberto fechado, adossados, com as coberturas rematadas em larga aba comprida sobre travejamento de madeira, o edifício das instalações sanitárias, o de habitação de pessoal, depósito de água e toma de água, que abastecia as locomotivas a vapor. 

Fig.14: Edifícios da antiga estação do Carvalhal
Após breve deambulação pelas ruas da aldeia prosseguimos pelo canal da antiga linha, transformada em Ecopista, que segue paralela à N220, o piso de macadame, ladeado de giestas e papoilas criavam um fantástico colorido, acompanhados por tons de azul-celeste que os raios de sol clarificavam. Continuando a pedalar pela Ecopista, ainda nas imediações de Carviçais, em Vale de Ferreiros, desfrutámos de uma vista incrível sobre a Albufeira, neste local e em plena Primavera, as inúmeras giestas do vale, em conjunto com o extenso lençol de água, formam uma deslumbrante tela multicolorida, para gaudio dos admiradores.


Fig15: Ecopista, entre Carvalhal e Larinho
Depois de pedalar em sentido descendente até à Albufeira de Vale de Ferreiros, subimos agora uma ligeira rampa até ao sopé do Cabeço da Mua, onde, no edifício em ruínas do velho apeadeiro de Souto da Velha, os silvedos disputam o lugar com as telhas sobrantes. Um pouco mais à frente, junto a uma enorme casa de que restam apenas as paredes, é possível obter uma excelente panorâmica sobre a encosta que abraça as aldeias de Felgar e Souto da Velha.


Fig.16: Um olhar sobre o Vale 
Uns metros mais à frente na Ecopista, do apeadeiro que servia a aldeia de Felgar, apenas sobram as quatro paredes do antigo edifício de passageiros. Continuámos a rolar com uma boa  cadencia de andamento até chegar à aldeia do Carvalhal, onde ainda é possível vislumbrar vestígios da antiga actividade mineira. Aqui era embarcado o ferro extraído nas minas da Serra do Reboredo. Um pequeno desvio possibilitaria avistar as antigas minas de ferro, no entanto acabámos por prosseguir na descida.

A antiga estação ferroviária do Carvalhal ainda conserva o edifício de passageiros, o edifício das instalações sanitárias, vulgo "retretes", as habitações do pessoal, o depósito de água e a toma de água que abastecia as locomotivas a vapor.

Fig.17:Ao "Sabor "da descida

Mais adiante, a antiga estação ferroviária da aldeia de Larinho, objecto de requalificação, ainda mantém o edifício de passageiros e o cais coberto fechado, adossados, o primeiro ostentando maior preocupação decorativa, e o edifício das instalações sanitárias, em irrepreensível estado de preservação, em que resultou no proveitoso aproveitamento do edificado para a instalação de uma cafeteria.


Fig.18: Foz do Sabor, na confluência com o rio Douro

Com a pendente a favorecer e envolvidos pela beleza do percurso o ritmo aligeirado depressa nos conduziu a Torre de Moncorvo. A antiga estação ferroviária mantém ainda o edifício de passageiros e o cais coberto fechado, adossados, o primeiro apresentando maior preocupação decorativa; o edifício das instalações sanitárias; depósito de água; a antiga casa de habitação e abrigo antes destinada a agulheiros. Deste local pode vislumbrar-se uma excelente panorâmica sobre Torre de Moncorvo.


Fig.119:Vale do Douro

Iniciávamos em Moncorvo a última secção do nosso passeio, iniciando a descida para o Vale do Sabor, na confluência com o Rio Douro. E se a primeira fase do percurso tinha sido verdadeiramente encantadora, só poderíamos esperar algo grandioso para esta segunda metade, augurando desfrutar de panorâmicas incríveis, ao Sabor da descida até ao Douro.


Fig.20: Antiga ponte rodo-ferroviária sobre o rio Douro

A descida do Vale do Sabor foi dos percursos mais gratificantes e que mais gozo me deu percorrer, o seu enquadramento paisagístico é verdadeiramente sublime, o percurso da antiga linha desceu-se suavemente, com “Sabor” acrescido, atendendo, sobretudo à envolvência, que se sobrepôs à facilidade com que se rolava, e permitiu um usufruto pleno da atmosfera envolvente.

Fig.21: Estação do Pocinho

Num quadro cénico tão distinto como o que se nos deparou, tendo pela frente o Vale do Sabor e a sua foz, no encontro com o Rio Douro, a partir de determinado ponto foi imperioso guardar o aparelho e desfrutar. Olhar apenas as imagens reais, sentir o vento no rosto e descer, pedalar, pedalar até ao Douro. 

Sem comentários: