Dpois de duas primeiras tentativas planeadas, finalmente, a 25 de Julho de 2020, iniciei a viagem rumo a Bordeaux, a fim de concretizar o sonho antigo de percorrer em bicicleta o magnífico Canal des Deux Mers. Fantástica obra de engenharia civil e hidráulica, cuja primeira fase ocorreu no último quartel do século XVII, entre 1662 e 1681, com a construção da Canal du Midi e posteriormente, com a completa ligação fluvial entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico, através da conclusão, em meados do Século XIX, mais concretamente em 1856, do Canal Lateral à la Garonne, tendo sido considerado pela UNESCO, desde 1996, Património da Humanidade.
Preparação da viagem
O plano inicial, de realizar a aventura em companhia do amigo JOPARESI, saiu gorado, em consequência de uma arreliadora lesão nas costas de que este foi acometido, à última hora, obrigando-o a desistir.
Costuma dizer-se, quando para uns o azar bate à porta, para outros, a sorte sorri. Neste caso tive a felicidade de ser contemplado com a companhia do meu filho TóPê, que, em boa hora, aceitou o meu desafio. Assim, o que inicialmente estava para ser um tour de bicicleta protagonizado por dois amigos acabava de ser transformado numa aventura familiar de pai e filho.
A logística estava pronta, apenas com a necessidade de alguns ajustes à preparação inicial, mantendo-se todo o restante. A viagem para França em automóvel e o plano de viajar em autonomia, a partir de Bordeaux, pernoitando em parques de campismos, com uma ou outra adaptação. Os alforges foram carregados com uma lista de utensílios básicos, considerados importantes.
Não foi esquecida a roupa de ciclismo, umas calças/calção leves de passeio, meias e roupa interior leve, toalhas, sem esquecer carregadores, power bank, saco-cama, almofada e colchão insuflável, tenda, lanterna para bicicleta, equipamento adicional da bicicleta, assim como algumas barras energéticas. O material deve ser o mais leve possível, por isso aconselha-se a ponderar, sempre, na altura da compra.
A travessia de Espanha decorreu tranquilamente, tendo sido já com a luz do dia a querer fugir que chegámos ao parque de campismo Village Bordeaux Lac, onde pernoitámos. O mesmo não foi difícil de encontrar, mercê da sua excelente localização. A nossa passagem foi fugaz, sem lugar a histórias para contar, procurando apenas usufruir do descanso que a estadia proporcionou a fim de enfrentar a primeira jornada da aventura que agora começava.
Bordeaux e as vinhas da Aquitânia
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Bordeaux - Pont Pierre |
Deixámos o parque e seguimos pela via ciclável Roger Lapébie, mas ainda não tínhamos pedalado quinhentos metros e logo a primeira contrariedade nos surgiu, com obras na via a obrigar a seguir por um desvio no percurso pelo qual pedalámos até ao centro de Bordeaux. Aqui chegados, junto ao skate parque, na margem esquerda do Garonne, e depois de captar umas imagens, continuámos a pedalar pela marginal até ao Le Miroir d'Eau, espelho de água refrescante e de belo efeito.
Pedalámos sob a monumental Pont de Pierre, ponte de pedra na tradução à letra, projectada pelos engenheiros Deschamps e Billaudel, a primeira a ser construída na cidade, com o fim de resolver espinhoso problema da travessia do Garonne. Com quatrocentos e oitenta e seis metros de comprimento e dezassete arcos, a ponte foi aberta ao tráfego em 1822.
Começávamos a sentir alguma fraqueza, sentíamos, pois, necessidade de encontrar um local onde nos pudéssemos alimentar. O receio da pandemia aconselhou-nos a evitar o mais possível a permanência em grandes aglomerados, assim fomos continuando a pedalar pela ciclovia.
Na periferia de Bordeaux abandonámos a pista ciclável e acedemos à esplanada de um restaurante integrado numa zona comercial, onde juntámos almoço e pequeno-almoço. Após a refeição regressámos à pista Roger Lapébie, que agora se desenvolve pelo troço de uma antiga linha de caminho de ferro desactivada, com o traçado desta a afastar-se do rio seguindo mais para o interior, por uma zona bastante arborizada.
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Créon |
Avistámos, por fim, o arco da muralhada medieval de Sauveterre de Guyenne, local que assinala o fim do percurso pela via ciclável Roger Lapébie. Subimos, sob o arco da antiga muralha, em direcção ao centro da cidade, onde pontificam bonitos edifícios de traça antiga, de épocas distintas. Aqui chegados, a hora foi para nos saciarmos a beber um café numa esplanada situada sob uma das arcadas da praça.
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Predominância dos vinhedos a marcar a paisagem |
Com a noite a cair, chegámos ao parque de campismo de La Réole, situado na margem esquerda do Garonne. Com a recepção encerrada foi via telefone que autorizaram a nossa permanência. No espaço onde nos instalámos pernoitavam igualmente outros ciclistas, por certo também a pedalar pelo Canal. Por fim, bem já confortáveis e com a casa arrumada, ali mesmo na margem rio, a vontade para uma visita à cidade esmoreceu e acabámos por ficar a descansar nas tendas, depois de passar o dia a pedalar 81 quilómetros.
La Réole - Valence d’Agen, encontro com o canal na jornada mais longa
No deslumbramento do
Hôtel Étoile, a relva fofa e o colchão insuflável embalaram-nos para uma noite de sonhos sobre rodas, descansada e relaxante, que era tudo quanto necessitávamos.
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Parque de Campismo em La Réole |
A manhã seguinte apareceu radiosa sorridente, na companhia dos primeiros raios de sol, que deixavam antever uma jornada longa e proveitosa.
Antes de continuarmos, voltámos a La Réole para primeiro pequeno-almoço em terras de França, desde que partimos, tendo-nos deliciado com os maravilhosos croiassants, pain au chocolate, confiture, enfim um verdadeiro pequeno-almoço à francesa.
De seguida iniciámos a jornada, para lograr alcançar o canal cerca de uns três a quatro quilómetros após a cidade, com as bicicletas vergadas ao peso dos alforges, continuámos a pedalar por uns bons quilómetros, passando ao lado de povoações como Hure e Meilhan-sur-Garonne.
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Ancoradouro em Pont des Sables |
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Pont-canal sobre o Baïse |
Debaixo de uma temperatura escaldante chegámos avistamos a Écluse d'Agen, logo seguida da gloriosa passagem sobre o Garonne na imponente ponte-canal do mesmo nome, com os seus vinte e três arcos e quinhentos e cinquenta e cinco metros de comprimento que nos conduziria à cidade. Em Agen interná-mo-nos um pouco no interior, apenas para comprar bebidas e fruta, seguindo para Valence, com vista a recuperar alguns quilómetros perdidos na jornada anterior. E, assim, continuámos a pedalar num final de tarde a irradiar um colorido fantástico espelhado nas águas do canal.
Em Valence, no encontro com duas simpáticas compatriotas na sua habitual caminhada pelo percurso ao longo do canal, manifestaram-nos o seu desagrado e pena, por em consequência da pandemia, no corrente ano não viajarem para Portugal. Após mais alguns dedos de conversa com as simpáticas compatriotas, ainda pedalámos mais dois quilómetros até, finalmente, terminar a etapa no parque municipal de campismo, onde nos instalámos num espaço aprazível e com excelentes condições.
Enquanto o TóPê armava as tendas, tratei do jantar deslocando-me para o efeito à zona comercial de Valence d’Agen, situada no extremo oposto da cidade. Por fim, exaustos, recolhemos às tendas para o merecido sono reparador de todo o esforço despendido nos 110 quilómetros desta segunda jornada, entre La Réole e Valence.
A Caminho da Cidade Rosa
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Moiassac, Abadia Saint-Pierre |
A suave brisa a embater-nos no rosto foi um excelente tónico para nos manter despertos. Assim a pedalar de eclusa em eclusa chegámos a Moissac, uma das mais importantes cidades do Caminho Francês de Santiago de Compostela. Moissac, cidade carregada de simbolismo, histórico e espiritual, onde tivemos oportunidade de admirar a extraordinária abadia românica de Saint Pierre, uma das catedrais mais importantes do Caminhos, também consagrada pela UNESCO como Património da Humanidade.
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Canal Du Cacor |
Um pouco depois, a fantástica travessia do rio Tarn constituiu, sem dúvida, um dos pontos altos do dia. Assim que passámos pela eclusa do Cacor, pedalámos sobre o Tarn através da magnífica Pont-canal du Cacor, uma das três grandes pontes-canal de França, construída na segunda metade do século XIX, sob a direção de Jean-Baptiste de Baudre, engenheiro de pontes e estradas. A estrutura é exuberante, sendo composta por tijolos de Toulouse e pedra de Quercy, tem catorze pilares e um comprimento total de trezentos e cinquenta e seis metros, por oito metros e trinta e cinco de largura. Destinada inicialmente ao transporte de mercadorias, entre Toulouse e Bordeaux, é hoje, exclusivamente dedicada a fins turísticos e de lazer.
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Moiassac - Pont-Canal Du Cacor |
Mas era preciso avançar e cerca das 15:40h estávamos já a passar em Castelsarrasin e no seu belo porto. Continuámos a pedalar, atravessando as povoações de Saint-Porquier, Montech, Dieupentale, Pompignan, Saint-Rustice e Castelnau-d'Estrétefonds, onde as nossas vistas se perderam na bonita Écluse de L'Hers e a ponte-canal que a precede sobre o rio, com o mesmo nome.
Próximo do final da tarde chegámos ao parque de campismo nas imediações de Toulouse, com excelentes instalações, onde o espaço reservado às tendas estava maioritariamente reservado por cicloturistas. Ainda houve tempo para desenferrujar o meu esquecido francês e trocar algumas impressões com a malta do pedal ali presente, que demonstrou muita afabilidade e simpatia, sendo de um modo geral bons conversadores. Monopolizámos grande parte da nossa atenção na conversa com os nossos vizinhos, um jovem casal em férias, pedalando com as suas bicicletas e a transportar em atrelado sua endiabrada filhota.
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Moiassac - Pont-Canal Du Cacor |
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