sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

COIMBRA, PERCURSOS POR ESPAÇOS E JARDINS COM HISTÓRIA - Percurso I - Torres do Mondego a Freguesia Verde

Na diversidade do espaço público passível de percorrer diariamente na cidade de Coimbra, bem como em alguns dos seus lugares confinantes, muitas vezes não atentamos, porque absortos na azáfama do quotidiano, na beleza que nos propiciam alguns desses lugares, quer através do coberto vegetal, da traça arquitectónica ou da expressão artística evidenciada em muitas esculturas, estrategicamente localizadas, ou mesmo da poesia que encontramos no mítico e romântico Penedo da Saudade.

Foi com o propósito de partir à redescoberta da diversidade de jardins e monumentos de Coimbra e bosques da sua área circundante que dou inicio a uma pequena série de artigos alusivos ao tema “percursos por espaços e jardins com história”, começando por um percurso envolvente ao maior rio nascido em Portugal, junto ao seu afluente em Coimbra, o rio Ceira.

Percurso I - Torres do Mondego, a Freguesia Verde


Mondego a montante da foz do Ceira, lá ao fundo as Torres

Início:  Ponte da Portela do Mondego. Rio Mondego, margem esquerda; Carvalhosas; Palheiros, Praia Fluvial;  Zorro, Minas de Barbadalhos; Praia Fluvial - travessia da ponte pedonal; Porto Meio; Casal da Misarela; Mata de Vale de Canas. – 12 km

Regresso: Mata de Vale de Canas, jardim; Torres do Mondego, Perdigais; Torres do Mondego, Eira do Coelho; Torres do Mondego, Porto das Carvalhosas; Portela do Mondego; Coimbra, Boavista; Parque Linear do Vale das Flores. – 11 km

Extensão do Percurso 1: 23 km – Duração do percurso: a pé 06:00 de BTT 2:15  





O Mondego nas Torres, panorâmica do “Penedo do Corvo”


O primeiro percurso afasta-se um pouco do interior da cidade de Coimbra e centra-se na Freguesia de Torres do Mondego, alternando entre as duas margens do rio Mondego, a montante da Ponte da Portela do Mondego, e estendendo-se para a Mata Nacional de Vale de Canas, inserida maioritariamente no território desta mesma freguesia.

Nos arquivos históricos, escasseiam referências relativamente às origens do lugar das Torres, pelos registos mais antigos sabe-se que foi de D. Paterno, primeiro bispo a seguir à conquista definitiva. Em 1103 a Sé concedeu uma parte a Durão Escudeiro, por sua vida, para a cultivar e usufruir.


Torres pertenceu à freguesia de São Pedro de Coimbra, tendo em 1774 a colegiada desta igreja permitido à irmandade de São Sebastião que colocasse sacrário na capela e que o cura administrasse alguns dos sacramentos, começando a ter registo próprio. Aquando da criação da freguesia de Santo António dos Olivais passou para os domínios desta mesma freguesia, mas mantendo as mesmas regalias. Foi já perto de meados do século passado que se constituiu como freguesia.

Em primeiro plano a antiga ponte rodoviária da estrada da beira, hoje ponte pedonal da futura Ciclovia de Coimbra. Em segundo plano a antiga ponte ferroviária da linha da Lousã, ainda sem futuro traçado.
Na Portela, onde o Mondego recebe o Ceira e se liberta das amarras montanhosas das encostas escarpadas, abrindo-se à sua maior cidade e espalhando-se pelas várzeas e campos verdejantes, na sua derradeira viagem até à Figueira, dei as primeiras pedaladas, testemunhadas pelo majestoso palácio setecentista dos Marqueses de Pomares, erigido na última colina que vê o Mondego estender-se pela várzea.

Pedalando sobre a velha ponte rodoviária da estrada nacional n.º 17, hoje destinada apenas a passagem ciclável e pedonal. Perante a dificuldade de acesso à margem esquerda do rio, segui pela estrada municipal para os lugares de Carvalhosas, Palheiros e Zorro, que se penduram na encosta da margem esquerda do rio.


Na encosta das Carvalhosas

Na margem esquerda, Torres Mondego, Vale de Canas e Casal da Misarela, com o casario em presépio, completam o conjunto de aglomerados populacionais que o rio parece separar e unir ao mesmo tempo, numa extensão aproximada de três quilómetros a montante da foz do Ceira.

Duas centenas de metros após a passagem pela escola secundária enveredei em direcção ao rio por um estradão de terra, seguindo a meia encosta entre terrenos de cultivo, muitos deles deixados ao abandono.


Muro de protecção ao rio, próximo do antigo ancoradouro das “bateiras”

O silêncio apenas era quebrado, de quando em vez, por algum carro a passar na EN 110, classificada como de interesse turístico, no troço entre Coimbra e Penacova. Fui encontrando vestígios de algumas cerejeiras cujo tronco se apresentava seco, sinal evidente do abandono das terras. Em contraponto a panorâmica que se desfruta para a margem oposta é sublime.

Próximo do antigo ancoradouro fluvial a jusante do mítico “Penedo do Corvo”, recanto natural do rio, caracterizado por formação rochosa na margem esquerda, que avança um pouco sobre o leito, é possível o acesso ao rio, dificultado no entanto pela ausência do cultivo das terras, que propicia o avanço de indesejáveis espécies arbóreas invasoras, acompanhadas de silvedos.


O Vale do Mondego, na encosta dos Palheiros
A partir deste local para se prosseguir para a praia fluvial dos Palheiros o caminho torna-se um pouco duro, uma vez que o declive se acentua. A quebra de continuidade do estradão de terra junto ao “Penedo do Corvo” obriga a uma dura subida na direcção do lugar de Carvalhosas, para descer novamente ao rio.

Durante duas centenas de metros prosseguimos a meia encosta, com uma refrescante moldura verde, sempre com vista para a água. As dificuldades de acesso por antigos caminhos rurais obrigam a nova subida para a estrada municipal, por onde se prossegue até alcançar finalmente, percorridos cerca de dois quilómetros, a Praia Fluvial.


Ruínas das minas de chumbo de Barbadalhos, desactivadas no inicio do século XX 
Aproveitando um extenso areal na margem esquerda do rio, emparedado entre o lugar dos Palheiros e o Porto Meio na margem oposta, a Junta de Freguesia das Torres do Mondego promoveu a edificação de uma represa e assim nasceu a Praia Fluvial da Freguesia de Torres do Mondego. Embora situada na margem esquerda, com o lugar dos Palheiros sobranceiro, o espelho de água começa a formar-se mais a montante, imediatamente após uma sublime curva do rio.


Minas -Chaminé
Nas imediações da praia fluvial, a fim de ligar as duas margens, todos os anos é erigida uma ponte pedonal em madeira, que em períodos mais invernosos, tem sido arrastada pelas águas. A beleza e atracção do local justificam há muito uma ponte definitiva, indo ao encontro do desejo das populações residentes e  veraneantes.

Após alguns momentos a desfrutar na margem, sentindo o fresco das águas, resolvi revisitar as ruinas das antigas minas de chumbo de Barbadalhos, nas cercanias da povoação do Zorro. A dura subida ao povoado foi premiada com uma das mais bonitas imagens do vale do Mondego, que se obtém a partir de um troço localizado na estrada municipal, antes de encetar a descida por um estradão de terra irregular, mas com um magnífico coberto vegetal.


Panorâmica do vale - Trilho Ribeirinho
O regresso à praia fluvial foi percorrido por um estreito e belo percurso pedonal de pequena rota, “O Trilho Ribeirinho”, interessante sob o ponto de vista paisagístico e de observação da fauna autóctone. Em iniciativas nocturnas há sempre o perigo de nos cruzarmos com  javalis, que proliferam no vale.

Depois de transpor a estreita ponte pedonal para a margem direita, continuei o percurso no sentido da Mata Nacional de Vale de Canas. Deste modo acerquei-me da EN110,num local designado por Porto Meio, observando a panorâmica proporcionada pelo magnífico espelho de água em contraste com o extenso areal da margem esquerda, que progressivamente foi acolhendo bonitas árvores de pequeno porte, um quadro interessante onde o verde é a cor predominante.


Travessia do Mondego na Venda Nova - Torres do Mondego

Continuei na direcção do Casal da Misarela e daqui prossegui para o coração da Mata de Vale de Canas. A subida, em estradão de terra, não apresenta um grau de dificuldade elevado, acabando por ser suavizada pela fresquidão proporcionada pelo coberto vegetal.

Situada entre a Serra das Torres a sul, o Picoto dos Barbabos a norte, e a Misarela a nascente, desde o século XVI que se é possível encontrar referencias documentais à Mata Nacional de Vale de Canas, embora na centúria de quinhentos tivesse a denominação de Mata do Rei, os vestígios de um pavilhão de caça, entretanto encontrados,  levariam a crer tratar-se de uma Coutada Real, povoada com vegetação espontânea.


Mata Nacional de Vale de canas

A Mata de Vale de Canas é um empreendimento que remonta a 1867, com a finalidade de extracção de madeira de pinho para as obras de encanamento do rio Mondego. Após o abate dos pinheiros a Mata foi replantada mediante colaboração do Jardim Botânico, com o botânico Doutor Júlio Henriques a introduzir uma colecção de várias espécies de eucaliptos, entre outras espécies.

Actualmente a mata ocupa uma extensão de dezasseis hectares, com uma parte de jardim, circuitos de manutenção e zonas de piquenique. 

Mata de Vale de Canas - percurso de manutenção
Um devastador incêndio em 2005 e uma posterior tempestade em 2013 provocaram prejuízos incalculáveis. Aos poucos, através de programas de reflorestação e outras acções a mata vai recuperando a importância do passado.

Para complementar o roteiro segui em velocidade incrível por um estradão de terra na direcção da povoação de Vale de Canas, derivando para as Torres do Mondego, onde, ao findar da noite, do alto da Eira do Coelho, contemplei o casario em final de tarde, descendo ao Santo para citar António Nobre:



“Meu Santo Mondego, que voas e corres,
Não tenhas vagares!
Mondego dos choupos, Mondego das Torres,
Mondego dos Mares!"

António Nobre


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