sábado, 16 de julho de 2016

Grande Rota do Zêzere. Serra da Estrela - Vale Glaciar, Cova da Beira e Aldeias do Xisto

1 de Abril de 2016 - Penhas da Saúde – Covão d’Ametade – Manteigas – Valhelhas- Tortosendo - Silvares. 100 km.


Penhas da Saúde
Uma radiosa manhã de sol e a existência de alguma neve, abrilhantaram o início da dupla jornada, nos pontos mais altos do deslumbrante Vale Glaciar.


Após o pequeno-almoço na Pousada de Juventude das Penhas da Saúde, dedicámo-nos aos preparativos para colocar em marcha as bicicletas. No exterior fazia-se sentir algum frio e uma brisa muito ligeira, que o sol permitia suportar. Por fim iniciámos a subida em direcção à Torre, onde, a 1993 m. de altitude, nasce o rio Zêzere.


Chegados à confluência com a EN 338, enveredámos no sentido de Manteigas, com a descida a processar-se em velocidade moderada, atendendo à baixa temperatura, mas sobretudo para poder apreciar tão magnânima paisagem.

Os primeiros quilómetros, ainda sob o signo do manto branco





















Entre algumas paragens efectuadas para captação de imagens, não podíamos ficar indiferentes a uma visita ao Covão d´Ametade, onde o Zêzere começa a tomar forma e se estende ao longo de 248km por entre vales, de abundante fertilidade, até desaguar no rio Tejo, em Constância. Em qualquer altura do ano este local é sublime, agora, pintado de branco, com os raios de sol a romper entre o arvoredo, o cenário apresentava uma beleza singular.


A descer para o vale, ainda com a presença de neve.

O Vale Glaciar do Zêzere, desde o ponto mais alto, numa extensão aproximada de 10km até Manteigas é, sem dúvida, uma das paragens mais marcantes da Região Centro e do País. Toda a sua envolvência, em forma de “U”, brotando água de fragas e encostas, com uma imensidão de rochas que parecem tagarelar entre si, são imagens que perduram e convidam ao regresso.



Covão d´Ametade
Entre 1 a 2 km percorridos na EN 338, saímos à esquerda descendo até ao fundo do vale, onde, num um carreiro estreito, encontrámos finalmente a sinalética da Grande Rota do Zêzere, que adiante passarei a designar por GRZ33, e que acompanha o Zêzere, primeiro pela sua margem direita, atravessando de seguida o vale para a vertente oposta, num ponto de rara beleza.

Até centro da vila de Manteigas a GRZ33 continua por um estradão em terra, com o rio sempre à sua direita.




O magnificente Vale Glaciar.

Saindo da vila seguimos pela GRZ33, continuando pela margem direita do Zêzere, por um trilho em balcão, com abundantes faias e carvalhos, com uma panorâmica fantástica sobre o Vale do Zêzere.

Por entre estradões e trilhos fantásticos chegámos à bonita Praia Fluvial do Sameiro, onde também estão situados um parque de campismo e uma pista artificial de ski e snowboardar, denominada Skiparque.



Aproveitámos a excelente localização para uma refeição, em jeito de piquenique. Continuando por excelentes trilhos, prosseguimos até chegar a Vale da Amoreira e Valhelhas. Dirigimo-nos à Praia Fluvial para seguir, junto ao rio, pela GRZ33, no entanto as últimas cheias impediram o percurso por este trilho.


 Nas proximidades de Vale da Amoreira, um trilho fantástico.
Assim, voltámos ao centro de Valhelhas seguindo em direcção à ponte Filipina, onde o percurso entra na EN 232, que acompanha durante cerca de 1000m, até um desvio nos levar novamente até à margem do rio, prosseguindo por uma extensa zona de pomares, com as flores dos pessegueiros a proporcionarem um colorido fantástico.

São momentos únicos para apreciar, a par da atmosfera límpida que se respira e desfruta por sítios verdadeiramente fantásticos, onde a mãe natureza foi benévola proporcionando a existência de locais dotados de uma enorme riqueza de recursos naturais.



Ponte que remonta ao reinado dos Filipes - Valhelhas.



Pessegueiros ainda em flor.

Prosseguindo junto ao Zêzere, e continuando na companhia de extensos pomares. Depois de Orjais, a GRZ continua pela margem direita do rio, até encontrar a linha férrea, que atravessa, em direcção a sul, através de estradas florestais, com uma vista privilegiada e alargada sobre o coração da Cova da Beira.
E assim fomos prosseguindo por entre pomares e quintas amuralhadas, até efectuarmos uma pausa para aliviar o esforço que já se começava a sentir, junto à escola profissional da Quinta da Lageosa, através da ingestão de líquidos, aproveitando a amabilidade de um docente e duas simpáticas funcionárias auxiliares, que nos franquearam as portas da cantina. Prosseguimos por Ponte de Alvares, após ter-mos atravessado o acesso à auto-estrada através de uma passagem inferior. Neste local o rio estende-se um pouco mais em largura, bem como os terrenos, igualmente mais extensos.


 Ponte de Alvares
Após a travessia do rio, continuámos a pedalar por estradas de terra. O percurso possibilita uma perspectiva distante sobre a encosta sul da Serra da Estrela. Foi altura para mais uma paragem para contemplação da vertente sul da Serra da Estrela, da qual partimos no início da dupla jornada.

Após passar Ponte Alvares, já próximos de Tortosendo, embora continuássemos a rolar, considerei quase finda a primeira jornada, para trás deixámos um rio ainda bebé, que aos poucos fugia da mãe serra, a jorrar água de fragas e encostas, quais seios a pingar leite materno a alimentar o seu menino. Daqui para a frente o Zêzere prossegue pela adolescência e idade adulta.
Como a noite ameaçava cair, acelerámos o andamento, ainda faltava percorrer uns quantos quilómetros até chegar à localidade de Barroca, onde pernoitaríamos.


Quinta e casa senhorial em ruínas

Assim, depois de Tortosendo, seguimos por caminhos agrícolas, ao longo da margem, até ao Peso. Continuámos por alcatrão em direcção ao Fundão, um pouco antes, sempre pela GRZ, atravessámos o Zêzere e continuámos por estradas agrícolas que percorrem os férteis campos do rio, até chegar ao Pesinho, para mudar novamente de margem e chegar ao Barco.


As acentuadas subidas por estradas de asfalto não permitiram alcançar as velocidades desejáveis e o eminente cair da noite obrigou à colocação de iluminação na bicicleta, a fim de poder chegar a Silvares, onde demos por finda a jornada. Os planos iniciais apontavam para terminar a jornada na povoação de Barroca.
Mas em razão do adiantado do dia, resolvemos parar em Silvares, onde num restaurante local, de exploração familiar, fomos servidos de uma refeição caseira a preceito. Nada mais nada menos que um arrozinho aferventado com grelos e bacalhau cozido, tudo regado com bom azeite.



Vertente sul da Serra da Estrela – Cidade da Covilhã.


Finda a refeição, fomos resgatados pelo amigo Fernando, Presidente da Junta de Freguesia de Barroca, sem dúvida uma excelente pessoa, com um trabalho meritório em prol dos seus fregueses, bem como uma notória actuação na dinamização das Aldeias do Xisto, com centralidade em Barroca, e a quem devemos o simpático acolhimento nas instalações da autarquia. Bem-haja, Senhor Presidente.

Após um revigorante duche, a noite foi passada com alguma turbulência, em razão de algum ruído, e salve-se quem puder, ou melhor, quem conseguir dormir.






2 de Abril de 2016, Barroca – Dornelas do Zêzere – Janeiro de Cima – Janeiro de Baixo – Álvaro, 50 km.




1-Barroca, 2, 3 e 4 - Dornelas do Zêzere
Ainda cedo saímos de Barroca, não sem antes tomar o café da praxe, após a primeira refeição do dia. A paisagem alterou-se bastante da primeira para a segunda jornada, bem como o estado do tempo, com alguma chuva, contrariando o radioso dia de sol da véspera. Avançámos para Dornelas do Zêzere, onde atravessámos o rio por um estreita ponte de pedra, sobre o açude.
Ainda pensei passá-la a pedalar, mas nada melhor como ser prudente, a chuva, embora reduzida, não aconselhava a habilidades que acabam na maior parte das vezes por fruir maus resultados. Neste caso, embora tentado, prevaleceu a prudência.



Vaidoso, o Zêzere mira-se ao espelho, fugindo a Dornelas
Transposta a pequena ponte de Dornelas, iniciámos uma subida em terra, sempre na proximidade do rio, acompanhando a sua margem esquerda. Uma paisagem verdadeiramente notável, com recantos magníficos, e foi assim neste cenário que pedalámos, acompanhados aqui e ali pelo canto de algumas aves, ainda envergonhadas, bem como pelo constante murmúrio das tumultuosas águas, durante aproximadamente nove quilómetros, até Janeiro de Cima.
Porém, ainda antes de espreitar Janeiro de Cima, um pequeno furo na “Princesa” do João Paulo forçou uma pausa logo ali, junto a uma edificação em xisto, meio abandonada, onde o interregno foi aproveitado para um reabastecimento energético. Para obstar ao contratempo funcionou a entreajuda que facilita imenso a resolução dos problemas.



1-Janeiro de Baixo 2-Serra do Machialinho 3-Ponte de Cambas 4-Abitureira

Em Dornelas, Janeiro de Cima, Janeiro de Baixo, bem como noutros locais Zêzere, tem havido o aproveitamento do rio para apostar em praias fluviais, geralmente em recantos que seduzem, pela beleza e fresquidão das águas, para gáudio de quem as procura, sobretudo no tempo quente.
Assim que avançámos para Sul a transformação da paisagem ao longo das curvas do rio ia sendo visível, com elementos diferenciados, agora com a configuração rochosa cada vez mais xistosa, bem diferente do Vale Glaciar. Igualmente se pôde observar uma diferenciação florestal, com predominância de pinheiros, aqui e ali ameaçados com a presença de algumas espécies invasoras.
O percurso da GRZ segue agora para Admoço, ao passarmos no local conhecido por Antro dos Penedos, na linha do horizonte fica uma das mais belas paisagens de toda a Grande Rota do Zêzere - juntando os dois Janeiros, o de Cima e o de Baixo, a Serra do Machialinho e os Meandros do Zêzere, que são classificados como geosítio pela Unesco. A panorâmica é verdadeiramente sublime.


Abitureira
A GRZ prossegue paralela ao rio e por estradas pouco movimentadas. Decorridos cerca de três quilómetros e meio, o percurso passa próximo da Ponte de Cambas, à esquerda, que liga os distritos de Castelo Branco e de Coimbra. Umas centenas de metros decorridos e a GRZ abandona a estrada nacional, para descer em direcção à Praia Fluvial de Cambas, e à localidade com o mesmo nome.
Após a passagem para a margem esquerda do Rio Zêzere, a GRZ segue na berma da estrada, para a abandonar, depois de percorridos aproximadamente dois quilómetros, e prosseguir por um caminho florestal, sendo o primeiro quilómetro praticamente plano e paralelo ao rio. A partir deste ponto foi preciso apelar a todas as reservas existentes para vencer uma dificílima subida em terra, até aos Roucos de Baixo e de Cima. Após ligeira descida, quando já parecia que todo o declive tinha sido ultrapassado, fomos brindados com mais um quebra pernas, agora em direcção à Abitureira, finalmente no alto.

O encantador recanto junto à Ponte de Felgueiras

Novamente na terra batida, em subida ligeira, aproveitámos para observar, de posição cimeira, o rio a serpentear entre os penhascos, posto que se seguiu uma louca descida por um estradão de terra de aproximadamente dois quilómetros, onde no final encontrámos um magnífico recanto dotado de uma cascata, a queda de água das Felgueiras, provocada por um desnível repentino do leito da ribeira de Sendinho, originado pela erosão da água sobre a rocha.



A avidez em chegar depressa para a captação de imagens que o local sugestiona, aliada à imprudência de ajeitar a câmara fotográfica sem me apear, projectou-me num amargo voo por cima da bicicleta, uma aterragem inesperada e evitável que provocou algumas sequelas.

Ponte de Felgueiras

A jusante da cascata encontra-se a bonita Ponte das Felgueiras, edificação em pedra atribuída ao tempo da dinastia dos Filipes que forma um belo conjunto com a cascata, sem dúvida um dos locais mais deslumbrantes da região.
Algo refeito da queda, mas ainda com muitas dores, avançamos em direcção a Álvaro por uma subida acentuada, mas não muito longa, a que se seguiu um troço de cerca de dois quilómetros, por largo estradão de terra batida até à entrada da Gaspalha, onde continua por um caminho de terra, até cruzar a estrada nacional nas imediações da Ponte de Álvaro.

Daqui para a frente, por uma estrada paralela ao rio, enveredámos em direcção à Praia Fluvial, onde também se situa a Estação Intermodal da GRZ. Para terminar a jornada subimos até à localidade de Álvaro. A povoação acomodou-se sobranceira ao Zêzere, rio que serpenteia em namoro perpétuo, apadrinhado pela albufeira do Cabril, que os enlaça serenamente.


Ponte de Felgueiras

Álvaro é uma das “aldeias brancas” da Rede das Aldeias do Xisto, embora o material de construção predominante seja o xisto, contudo a maior parte das fachadas dos edifícios está rebocada e pintada de branco. Dotada de invejável património religioso, a aldeia foi outrora uma importante povoação para as ordens religiosas, particularmente a Ordem de Malta, da qual existem inúmeros sinais da sua presença.
É sublime a panorâmica que de Álvaro se capta sobre o rio que serpenteia entre as vertentes das encostas vindas da Estrela, o qual parece dormir nas serenas águas da refrescante albufeira da Barragem do Cabril.



Álvaro e os meandros do Zêzere

Simpaticamente acompanhados por Raquel Freire, responsável directa pela loja de artesanato da localidade, que também nos guiou numa breve visita à Igreja da Misericórdia, e a uma rápida incursão pelo circuito das Capelas, onde pudemos admirar um ímpar e rico espólio de arte sacra, desde pinturas a artefactos singulares, como por exemplo uma imagem do Senhor dos Passos, um Sacrário Renascentista ou ainda um Cristo morto com as Santas Mulheres e São João Evangelista.
Enquanto o João Paulo se dirigia a Pedrogão Pequeno para encontrar a sua "Princesinha", que nos transportaria para Coimbra, aguardávamos em Álvaro, à conversa com a família Freire e alguns seus conterrâneos. A carrinha do pão chegou em boa hora. Reparando como nos encontrávamos um pouco famintos, o Manuel e a Raquel Freire, agora já na companhia da jovem e bonita Carolina, filha de ambos, acolheram-nos na sua residência, para um agradabilíssimo momento de convívio à mesa.



Retábulos seiscentistas

Numa apreciação muito breve, em forma de balanço, fica a ideia de duas jornadas verdadeiramente fantásticas e diferentes. No primeiro dia o tipo de percurso e o terreno propiciaram um andamento mais rápido, uma vez que não se depararam grandes dificuldades, nomeadamente pela inexistência de troços com grau de dificuldade elevado, sobretudo com a ausência de grandes subidas.
Na segunda jornada, embora durante os primeiros quilómetros o caminho não tivesse oferecido um grau de dificuldade elevado, a partir daqui o cenário alterou-se, sobretudo com a longa e íngreme subida, por estradão de terra, até à Abitureira, a provocar alguma fadiga, com implicações directas no menor número de quilómetros percorridos.


A GRZ é difícil para cicloturistas e aliciante para os amantes do BTT. As paisagens são fantásticas 

No entanto a generalidade do percurso já descrito deixou em nós a vontade de prosseguir, numa outra oportunidade, até Constança, quer pela fantástica envolvente cénica de que se desfruta, quer pelo ar que se respira associado a uma natureza verde e selvagem que nos transporta para uma dimensão positiva e gratificante.

António José Soares


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