terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

DeBicicletaNaCidade

Estrada de Penacova no limite do Concelho
Os dias são de chuva, este inverno tem-nos fustigado com temporais, impedindo a saída para passeios, a pé ou de bicicleta, como seria desejável.

A impossibilidade de pedalar nestes dias cinzentos é substituída pela memória que nos recorda os incríveis passeios de bicicleta que o bom tempo proporciona.

No topo dessas recordações, ainda tão frescas, destacam-se as peregrinações  a Santiago de Compostela de bicicleta. Resta-nos desejar o aproximar de dias mais longos  para voltar ao pedal, por enquanto apenas dá para projectar o  próximo Caminho de Santiago, lá para o Verão.

Na esteira das recordações e a propósito do título que escolhi para o presente artigo, passo a contar uma história de infância. Assim, por inícios da década de setenta, o tráfego na Estrada de Penacova, N 110, era constituído maioritariamente por bicicletas, motorizadas e uma meia dúzia de veículos automóveis a somar aos autocarros de transporte rodoviário de passageiros, na altura vulgarmente designadas camionetas da carreira.

O período entre as cinco e as sete da tarde marcava o regresso a casa dos trabalhadores que em Coimbra ganhavam o sustento para as suas famílias, muitos deles montados nas velhas “pasteleiras” com destino às povoações de Torres do Mondego, Casal da Misarela, Caneiro, Rebordosa, entre outras, situadas na margem direita do Mondego, "Pasteleiras" que no Inverno andavam quase sempre artilhadas com enormes guarda- chuva, que também serviam para espantar os cães mais afoitos às pernas.

Torres do Mondego na década de 70
Uma das distracções da catraiada, onde me incluía, consistia em rondar a taberna da D. Julieta, local de culto para muita gente, onde era possível encontrar bicicletas estacionadas. O fito era poder tomar alguma bicicleta emprestada de qual sujeito mais distraído, normalmente empenhado a regar a garganta.

Muitas vezes a aventura corria mal e a ideia de dar à perna, balançando o rabo sobre uma "burra" tomada de assalto, era premiada com valente "paulada" de guarda-chuva direitinha às costas.

“O Pequenito”, era assim que o pequeno grupo de "assaltantes de bicicletas" atrás mencionado apelidava um rapaz, de baixa estatura, que todos os dias percorria de bicicleta o caminho entre Coimbra e Penacova, o rapaz, à época, teria apenas catorze anos ou dezasseis anos, não mais, contudo a reduzida estatura apenas permitia que pedalasse uma pequena bicicleta de roda 24.

Para a malta, ávida de dar umas voltitas, nem que fosse só em cima de um pedal ou com as pernas pelo meio do quadro, ver passar alguém mais novo, de estatura semelhante, montado na sua pequena bicicleta, era de uma inveja tortuosa. Vai daí, enchíamos a paciência do pobre, repetindo em coro, pequenito, pequenito, pequenito…, numa implicação cada vez mais radical e demonstrativa de crueldade infantil.

As cenas repetiam-se a cada dia que passava, num crescente aumento de animosidade, que numa ou outra ocasião levou mesmo a vias de facto.

Era a terrível inveja de não ter uma bicicleta, mas tudo acabou em festa no dia em que o "Pequenito" emprestou generosamente a bicicleta. Num repente todos virámos grandes amigos ... mas nunca deixou de ser "O Pequenito".

À época os jovens felizardos que desfrutavam de bicicleta ou pertenciam a família abastada, ou ao grupo dos que desde os 13 ou 14 anos já aprendiam algum ofício, abandonando precocemente os estudos para ajudar na economia familiar.

Como sabemos o mundo mudou, a galopante evolução das últimas quatro décadas foi transformando progressivamente o tráfego nas estradas implicando a construção de novas vias e outras edificações com a inerente transformação geográfica. No entanto, são manifestamente raras as novas vias que salvaguardam a circulação de ciclistas com margem de segurança, sobretudo nas cidades, onde sempre deveria ter existido a preocupação de conferir maior amplitude a passeios e outras zonas pedonais, o planeamento apenas foi feito em função da circulação automóvel.

Vista de Penacova, o rio e a estrada encoberta pela vegetação
A estrada de Penacova, que serpenteia o rio Mondego na sua margem direita, entre esta vila e a cidade de Coimbra, atravessando um cenário de rara beleza, viu crescer de forma galopante o tráfego motorizado para níveis incomportáveis, atendendo ao seu perfil sinuoso e estreito. Curiosamente manteve o seu perfil, embora melhorado recentemente fruto da sua classificação como estrada verde, o que se saúda.

Inserida numa paisagem deslumbrante, que se  estende sobre o rio Mondego e encostas sobranceiras, esta via é hoje muito aproveitada por ciclistas que ao fim de semana ou em passeios de fim de tarde optam por recrear-se a pedalar.

Numa manhã do mês de Junho de 2007, resolvi substituir o automóvel pela bicicleta na minha deslocação para o trabalho. Assim, pedalei durante 8 km, distância que separa a localidade de Torres do Mondego, em Coimbra, da zona da Guarda Inglesa, na mesma cidade, sem grande dificuldade e com muito gozo.

De bicicleta para o trabalho
Inicialmente o que pensei tratar-se de um passeio fortuito, tornou-se num hábito, assim, de tal forma fiquei contagiado que nesse mesmo Verão depressa passei a adoptar a bicicleta como principal meio de transporte.

Em 2008 e 2009 repeti a experiência, nos meses da Primavera e Verão, utilizando a bicicleta nas deslocações para o trabalho. Por razões diversas abandonei esta prática a partir de 2010 e recomecei timidamente em 2012, para em 2013 entrar novamente numa prática salutar  que dá grande gosto.

No seguimento desta experiência comecei a interessar-me, com maior afinco, pela temática que se prende com a utilização de meios suaves de transporte e a pretender contagiar outras pessoas, sempre na procura de mais adeptos.

Numa grande cidade de bicicleta, é possível.
O uso massivo da bicicleta, progressivamente abandonado em detrimento de veículos automóveis, está a ser combatido em diversas cidades europeias, há já bastante tempo. Paris, Londres Barcelona, Bayonne, San Sebastian, Vitória, Salamanca, Burgos, já para não falar das cidades dos Países Baixos onde o uso da bicicleta é generalizado, são exemplos que é possível acompanhar. E se a palavra plágio faz sentido, então aplica-se por inteiro aos projectos implementados nestas cidades.

É meu desejo, como seguramente de muitas pessoas em Portugal, ver nascer bons projectos, no âmbito da mobilidade sustentável, destinados às nossas vilas e cidades. É neste sentido que, embora não sendo um especialista, em próxima edição procurarei ir de encontro a casos de sucesso, evidenciando os seus benefícios, para que possam ser seguidos por demais urbes. O fim a prosseguir aponta no sentido de se obter melhores condições de circulação para ciclistas e peões, no fundo contribuir para a melhoria da qualidade de vida

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