domingo, 28 de outubro de 2012

O Caminho Francês de Santiago

O meu Caminho, como começou...

Catedral de Santiago de Compostela

Percorrer o Caminho Francês de Santiago era sonho antigo que ganhou forma definitiva por finais de Agosto de 2007, aquando duma visita a Santiago de Compostela.

O sentimento de júbilo  expresso nos rostos dos peregrinos que acabavam de chegar à Praça do Obradoiro, a pé ou de bicicleta, despertou a minha determinação e o meu entusiasmo crescia a cada vez mais, a cada instante. E foi assim que me fui acercando de alguns para lhes demonstrar a minha admiração e procurando saber das suas experiências.

O colorido da Praça do Obradoiro, com gente de todas as idades, a pé ou de bicicleta, uns deitados nas lajes aquecidas pelo sol, outros simplesmente cirandando, mas todos com o rosto perfeitamente elucidativo de um óptimo estado de alma.





Foi esta imagem que me decidiu a percorrer de bicicleta o Caminho Francês de Santiago dentro de um ano, a pé seria necessário dispor do dobro dos dias.

Embuido deste pensamento dirigi-me ao Centro de Informações a Peregrinos, onde acabava de chegar, fatigada, mas irradiando satisfação, uma peregrina castelhana, alege e bem disposta, que se me dirigiu exclamando: "Trinta e dos dias dias  à pié".

O que os meus olhos tinham acabado de presenciar, com o testemunho da chegada daquele grupo de peregrinos, precipitaram a decisão de não deixar para o ano seguinte a intenção de percorrer o Caminho Francês de Santiago. 

O meu Caminho tinha começado ali, naquele instante, com a decisão de encetar os preparativos para o percorrer. Primeira acção, comprar o Guia do Peregrino.

Precipitei-me de seguida para a  "Tienda do Peregrino", a fim de obter a credencial e informações adicionais. Antes de entrar conversei com uma jovem, de nacionalidade espanhola, que acabava de finalizar o seu Caminho. Disse-me que necessitou de dez dias para percorrer de bicicleta a distância entre Burgos e Santiago de Compostela, não tendo sentido grandes dificuldades. Para mim esta informação era importante, tentava avaliar previamente as minhas possibilidades.

Obtida a credencial, quando me preparava para sair, tive ainda oportunidade de escutar um resumido relato feito por um jovem belga, que tendo começado o seu Caminho a partir de Dax, em França, demorou catorze dias a perfazer a distância até Compostela, tendo rolado contudo por estradas em asfalto paralelas ao Caminho.

Sempre que escutava novo relato ou testemunho fervilhava cada vez mais, já só fazia conta ao número de dias de férias que tinha disponíveis até ao final do ano. 

Ainda não tinha plano, mas secretamente já sabia que iria levar a bicicleta até França, para experimentar a sensação de percorrer o Caminho. O meu estado era o de uma criança em vésperas de Natal, à espera de receber a prenda no sapatinho.

Assim que abandonei Santiago Compostela, já imaginava o percurso e imaginava as localidades por onde iria passar.

A última vez que coloquei os pés em solo francês remonta ao ano de 1993. No meu imaginário também já tinham entrado os "croiassants" e o "café au lait". 

Preparação da Viagem

Motivado a fazer o Caminho, assim  que cheguei a Coimbra, empenhei-me nos preparativos necessários para colocar em marcha a decisão tomada, pensando  nos aspectos essenciais e  indispensáveis para empreender a viagem. 

Em primeiro lugar a viagem e o indispensável transporte da bicicleta. Da CP obtive a informação que teria de desmontar as duas rodas, para poder viajar com a bicicleta.  

Surgiu no entanto uma alternativa, com a possibilidade de poder viajar de boleia com um amigo, até à cidade francesa de Bayonne, no dia 10 de Setembro.

O problema  do transporte estava ultrapassado, com o mesmo garantido até Bayonne. Depois só teria que fazer os cerca de oitocentos quilómetros até Santiago, será que as minhas pernas iriam corresponder ao desafio? Era isso mesmo que me achava ansioso por saber, porque de Santiago a Coimbra alguma coisa se haveria de arranjar. Depois, foi o equipar da bicicleta, alforges, suporte, afinações, espigão para o volante, selim, pneu e câmaras suplentes, roupa leve e adequada. Bem tudo junto toca de desembolsar perto de 200 euros.


Conseguida uma alteração nas férias, a partida ficou marcada para 10 de Setembro e a chegada prevista para 23 ou a 24 do mesmo mês. Acabei por não errar muito nas previsões. 

Assim, pelas dezoito horas do dia 10 de Setembro, do ano de 2007, saí a pedalar da pacata aldeia de Torres do Mondego ao encontro da minha boleia. Depois de pedalar cerca de nove quilómetros, à hora marcada, o meu amigo Guedes aguardava-me na zona da Casa do Sal, em Coimbra.

Algum nervosismo foi tomando conta do meu corpo e pouco me deixou dormir. A viagem até França correu sem problmas, com a conversa a ocupar o nosso tempo, não deixando lugar para o sono.



Bayonne
Apenas efectuámos duas paragem, uma em Vilar Formoso para jantar e outra, um pouco antes da fronteira frnco-espanhola, em San Sebastian. Finalmente, às 05:30 hora francesa, 04:30 em Portugal, a última paragem em Bayonne e as despedidas do amigo Guedes, que gentilmente  me ofereceu a magnífica boleia,  pela qual expresso um reconhecido agradecimento, assim como pela excelente companhia.




Finalmente entregue à minha sorte, na periferia da Bayonne, sem que se vislumbrasse qualquer sinal de luz solar, coloquei a iluminação na bicicleta e pedalei via fora na direcção do "Centre Ville", apanhando depois mais próximo da zona habitacional uma ciclovia, seguindo sempre por estas até chegar à Gare.

Viajar pelo Sudoeste de França implica obrigatoriamente visitar Bayonne. Trata-se de uma cidade de média dimensão bastante agradável de visitar. É uma bonita cidade do país basco francês, que merece uma visita, particularmente em Agosto, por altura da realização das suas festas. As "Férias" de Bayonne.

Bayonne - Gare
Durante as realização das mesmas, todos residentes e turistas são convidados a participar, trajando  a rigor, de calças e blusas ou camisa brancas, complementados por lenços, boinas e as cintas vermelhas, que sobressaem no branco, espalhando na noite um colorido encantador. E, o bom vinho da região, faz o resto, saciando as gargantas mais secas e ajudando a emprestar, ainda mais alegria, a uma festa cheia de calor, animada pelas múltiplas bandas musicais espalhadas pela cidade.

Depois de pedalar uns seis quilómetros pelas ruas desertas, cheguei finalmente à gare da SNCF, onde esperei ansiosamente que chegassem as seis horas, para comprar o bilhete que me permitisse viajar de comboio até Saint-Jean-Pied-de-Port, ponto de partida do, meu, Caminho Francês,  até Santiago.

Já no café da "Gare de Bayonne" deliciei-me com os saborosos croissants no meu primeiro pequeno almoço no regresso ao território francês. 

Bayonne

Ainda não tinha entrado verdadeiramente no Caminho e logo ali, na cafetaria da gare, fui trocando algumas impressões sobre algumas das suas particularidades e pontos de interesse do Caminho a seleccionar, através da conversa que estabeleci com dois casais parisienses, com idades compreendidas entre os cinquenta e nove e setenta anos, a viajar de bicicleta para Santiago. A conversa, para além do enfoque principal relacionada com o Caminho, foi útil, na medida em que serviu para ir desenferrujando o meu francês.





A verdade é que estava a vivenciar experiências únicas, sem paralelo na minha vida, completamente nova e desconhecidas, até agora tudo estava a processar-se a um ritmo muito frenético, um pouco por força de alguma ansiedade gerada pela sensação do desconhecido, da aventura, enfim tratava-se de um auto-desafio que procurava viver e superar, com imenso entusiasmo, quiçá com alguma dose de ansiedade e deslumbramento à mistura,

Sem comentários: