terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Caminho Português, 4.º dia, de "Arcade" a Santiago

Pelas Rias Baixas: Puente Sampayo, "Vrea Vella de A Canicouba", Pontevedra.


"Puente Sampaio - Rio Verdugo"
Domingo, 14 de Setembro de 2014. Arcade, após uma tranquila e reconfortante noite de descanso, a manhã apresentava-se cinzenta ameaçando trazer alguma chuva.
"Puente Sampaio"

No “Lar de Pepa”, albergue em que pernoitei depois da extenuante e magnífica jornada de Caminha até Arcade, relatada na Edição 42 da "Passear", mal saí do quarto, abeirei-me do terraço onde contemplei o casario que se estende até à ria de Vigo.

Depois de examinar as nuvens e tentar adivinhar se a chuva me acompanharia na jornada, recolhi ao quarto com o intuito de arrumar os alforges, inspeccionar a bicicleta e, por fim, partir para a derradeira jornada do Caminho Português de Santiago, pela Costa.







"Puente Sampaio, Ponte Nova -Rio Verdugo"
Como no Lar de Pepa não serviam o pequeno almoço, essencial para um bom começo de jornada, em Arcade entrei na "Pasteleria - Bar Acuña", onde me deliciei com um excelente pequeno almoço, indispensável para ajudar a vencer os 80 km que faltavam concluir até Santiago de Compostela, que não se anteviam fáceis, face à possibilidade de ocorrência de muita chuva.

Em "Puente Sampaio" a passagem sobre o rio Verdugo é efectuada através da Ponte Nova, ponte medieval de inegável beleza, construção de elevado valor arquitectónico.  O seu enquadramento e o enorme espelho que as águas do rio proporcionam convidam à  captação de raros instantâneos fotográficos.

Bem no meio da ponte, uma pausa para uns momentos de conversa com duas simpáticas  peregrinas naturais da Galiza, que acederam em captar o momento da minha passagem em Puente Sampaio. Depois de breves momentos de conversa sobre o "Caminho", urgia prosseguir em direcção a Pontevedra.
Peregrinas a Santiago

Com algum esforço lá fui subindo pelo antigo caminho empedrado, até à encruzilhada para “Nuestra Señora de Amil”, por um troço frequentado desde épocas mais remotas e onde são bem visíveis as marcas das rodas dos carros, sulcadas ao longo do tempos nas velhas lousas.






“Vrea Vella da Canicouba”
Os primeiros dez quilómetros, embora com a presença de alguma chuva, foram percorridos com a enorme satisfação de percorrer de bicicleta os trilhos para Santiago. Mesmo enfrentando uma ou outra subida mais árdua, o esforço compensa qualquer sacrifício adicional, que apetece perpetuar, tal a beleza do percurso e a espiritualidade associada, tonifica o todo o esforço desenvolvido, rolongando uma sensação boa no tempo.

A aproximação a Santiago de Compostela é sempre motivo de alegria e satisfação, mas, por outro lado, se pensarmos que é sinónimos de final de “Caminho”, com o inerente regresso ao bulício do quotidiano, então o sentimento é antagónico, advindo daí alguma insatisfação. É o Caminho...

Igreja Peregrina - Pontevedra
Pequenos momentos de conversa sucediam-se à medida que ia passando por peregrinos, cada vez em maior número. Pouco depois de "Puente Sampaio" encontra-se um dos locais mais emblemáticos e interessantes do Caminho Português, a "Vrea Vella de Canicouba" e a velha ponte desaparecida que marcava o início da subida de "A Canicouba". Com  os chuviscos a borrifarem-me o rosto e obrigado a tirar os óculos, subi a bom ritmo, gozando depois a descida para Pontevedra, a rolar a muito boa velocidade.



Ponte do Burgo - Pontevedra

Domingo em Pontevedra, na cidade ainda adormecida, predominava a presença de peregrinos entre os poucos transeuntes e fascinas de estabelecimentos.

Pontevedra dá também o nome à província, capital das “Rias Baixas”. É indubitavelmente uma das cidade históricas da Galiza, detentora de um vasto e valoroso património arquitectónico merecedor da nossa atenção.



Em Santa Maria de Alba
Depois de posar para a foto diante do singular santuário da Virgem Peregrina, segui as vieiras, pela "Ponte do Burgo", deixando para trás Pontevedra. Definitivamente, tinha abandonado a ideia de pedalar pela  Rota do Salnés, Variante Espiritual ao Caminho Português", da qual encontrei as indicações, já fora da urbe, próximo da linha de caminho de ferro.

Resolvi seguir pela rota tradicional, uma vez que a opção pelo Salnés implicaria mais um dia de caminho e ligeira derrapagem nos custos da viagem. Adiei, assim, para uma próxima oportunidade.



Após a passagem sob a linha do caminho de ferro, depois de uma ligeira subida alcancei a Igreja de “Santa Maria de Alba” com uma imagem do Apóstolo no cemitério. Muito próximo fica o antigo lugar de “Goxilde”, onde o Arcebispo “Xelmírez” descansou com as suas hostes, a caminho de Compostela, depois de efectuar o famoso “Pío Latrocínio” de relíquias em Braga.


Espírito do Caminho

Continuando a pedalar na manhã fresca e molhada, o verde sombrio da vegetação convidava ao recolhimento espiritual, mesmo a pedalar, ora pelos bosques de carvalhos, castanheiros e outras espécies, aqui e ali com pequenos cursos de água a completar um quadro paisagístico notável, ora por campos agrícolas tratados com afeição e harmoniosamente dispostos.





Ponto de encontro de peregrinos

O Caminho passa, entre outras, bem no centro das povoações das de Caldas dos Reis, Iria Flavia”, “Padrón”, “Esclavitude”, com a sua fonte milagrosa e o esplendoroso exemplar do barroco que é o “Santuário da Eslavitude”, séc. VII-XVIII.







O encontro com peregrinos foi uma constante
É assim, num cenário único, diversificado e em movimento, que se desenvolve com uma intensidade cada vez mais forte o Espírito do Caminho, seja por convicção religiosa ou outra de diferente natureza. o que importa é sentir o seu efeito.


Peregrinos a Santiago
A forma de estar no Caminho proporciona e apela a conversas espontâneas, entre caminhantes, pessoas que têm seguramente algo em comum: a paixão por "Compostelae" ou Campo da Estrela.

O convívio, a entre ajuda e a solidariedade, estão presentes em todos os que procuram vivências nas peregrinações a Santiago e assim é comum ouvir-se falar do Espírito do Caminho a todos quantos o percorrem ou percorreram.

Um dos momentos mais gratificantes nesta minha última jornada aconteceu numa paragem para reabastecimento alimentar, efectuada no albergue “Catro Canos”, propriedade de Manuel, que junto com a família mantêm este mítico espaço aberto e proporcionam um acolhimento de excelência aos peregrinos, quer no trato ou no repasto.


Em cima: Albergue "Catro Canos", Em baixo: Caldas dos Reis
Enquanto me deliciava com uma porção de saborosa “tortilla”, plantei-me à conversa com Manuel, o estalajadeiro, quase esquecendo o tempo a passar. Se dispusesse de mais tempo livre, teria certamente por ali ficado uma tarde, a conhecer a região circundante.

No “Catro Canos” estão assinalados 24 km na direcção de Ponte Pontevedra e 44 km a Santiago. Somando os cerca de 10 km de Arcade até Pontevedra, significa que já tinha pedalado cerca de 34 km.

Antes de alcançar “Pontecesures” encontrei dois portugueses de Viseu, a fazer pela primeira vez o Caminho de bicicleta, bons conversadores, acabámos por fazer parte do caminho juntos, mas perto do final pedi que fossem andando, uma vez que estava sempre a parar para captar imagens.



Em cima: Concelho de Valga. Em baixo: "Pontecesures", Fonte Santa - "Esclavitude" e Espigueiro 
Em virtude das inúmeras paragens efectuadas, que cortam sempre o ritmo, mesmo ao melhor ciclista, a jornada acabou por ser cansativa, também em razão dos quilómetros acumulados.

Este ano foi algo diferente a chegada a Santiago, não foi possível aceder, como é da tradição, à Praça do “Obradoiro”, a mesma estava cortada devido à última etapa da “Vuelta à España”.o que aliás me pareceu uma ideia irreflectida.
Levar o circo de uma grande prova velocipédica para um espaço de características tão próprias, que nunca deve estar vedado a peregrinos! ... Enfim!…

Com a "Compostela" do Caminho da Costa 2014
Logo que me acerquei das imediações da Catedral, desabou uma chuva copiosa. Carimbei a credencial na Oficina do Peregrino, ainda tentei deambular um pouco pelas ruas, mas em dia de chegada da “Vuelta”, a cidade estava impossível, com imensa gente pelas ruas.

Foi então que decidi partir de imediato em direcção à gare, onde, para além de adquirir bilhete, tratei de providenciar uma pequena refeição, para depois partir de comboio com intenção de pernoitar em Redondela.


Um regresso atribulado, ou uma história dos Caminhos...

De Vigo a A Guarda, por Baiona



Vigo, zona portuária

Às 20:00, iniciei o regresso no comboio da Renfe, nos primeiros minutos de viagem ainda mantive os olhos vigilantes, mas pouco tempo depois não resisti ao cansaço e adormeci ali mesmo na composição. A distracção saiu bem cara, pois pretendia dormir no Albergue de Redondela, para, no dia seguinte, viajar de comboio até Portugal. Ora de repente estou na estação de Vigo, apenas com vinte euros no bolso, a ter que encontrar dormida.

Necessariamente seria preciso algum dinheiro mais para dormir numa pensão, por mais barata que fosse.


Navio de pesca Coimbra na doca de Vigo
Segunda contrariedade, não consegui levantar dinheiro!!! Através do messenger, apelei ao mítico amigo dos Caminhos, José de La Riera, de Muxia, personagem grande da cultura Galega, para ver se me podia ajudar a encontrar algum albergue ou alojamento mais em conta.

Amavelmente disse-me que dormiria em casa dele, só que a mesma dista de Vigo para aí uns 70 km. Mas, não podendo ajudar de outra forma, lembrou-se de me enviar o número de telefone de Luís Freixo, que dirige um Albergue na zona da Ramallosa e tem sido um dos grandes dinamizadores do Caminho da Costa.


No entanto o Luís Freixo não me atendia o telefone. Continuando então a procurar alguns alojamentos, sem sucesso. Fazia já cálculos para regressar de bicicleta, nessa mesma noite, para Portugal, empresa algo arriscada e nada recomendável, quando surgiu a minha salvação.

O Luís devolvia-me a chamada, ante o meu relato, depressa me aconselhou a não seguir de noite de bicicleta. Demasiado arriscado.
Depois de efectuar alguns contactos ligou-me novamente com novidades. Tinha-me conseguido alojamento mais acessível monetariamente na pensão "Três Países", nas imediações do "El Corte Inglês".

Para além de me ter salvo, mais me disse que, caso necessitasse, na manhã seguinte poderia dirigir-me ao "Mezon Plaza", café que habitualmente frequenta, tendo sido o que aconteceu.


"Ramallosa"
Mas no "Mezon Plaza" alguém se esqueceu de passar a palavra e tive que gastar quase tudo o que me restava num parco pequeno almoço.

Com apenas um euro e alguns cêntimos no bolso até chegar a Portugal, decidi empregá-los em fruta e assim abalei para Portugal, em direcção à zona portuária, seguindo depois pelo "Samil", "Ramallosa", Baiona, em suma fiz o percurso inverso do Caminho da Costa, até Caminha.


Baiona
Mas a generosidade  e sentido prestável do Luís Freixo ainda não tinha ficado por aqui. Quando pedalava a caminho de Baiona, recebi uma mensagem a lamentar o sucedido no Mezon Plaza e que me aguardavam no albergue "Aguncheiro", quando chegasse a Mougas.

Pela ciclovia de Baiona a A Guarda
De Baiona até A Guarda passei um verdadeiro tormento, com o vento Sul pela frente,  bem junto ao mar, quase me apetecia chorar de raiva por não conseguir passar dos 12, 14 km/h, mesmo a descer. Se a paisagem oferecia uma panorâmica deslumbrante, o vento a soprar em sentido adverso constituiu um autêntico pesadelo, mas assim tive que continuar.


E foi assim, a lutar contra o vento que, esgotado, cheguei ao albergue Aguncheiro. Entrei e falei que o amigo Luís Freixo me recomendado ali parar.

Imagem do vento Sul
De imediato perguntaram o que queria comer, perante a minha modéstia e receio de estar a exorbitar da hospitalidade, insistiram para que comesse algo à minha escolha. Perante algum constrangimento da minha parte serviram-me uma suculenta costeleta de vaca, acompanhada com pimentos de Padrón e batata frita. Jamais esquecerei o Aguncheiro...

"Aguncheiro - em Mougas"
Montar novamente a bicicleta continuou a ser um tormento, o vento não parava. Pedalei, pedalei, pedalei e as pernas mais pareciam dois cepos pesados, com os músculos bem rígidos e disformes.

Finalmente a 1,5 km de A Guarda, apareceu o João Paulo Reis Simões, que me foi resgatar a Caminha, respirei  finalmente de alívio e satisfação.

Não me posso lamentar de falta de apoio dos amigos, neste caso o JPRS, já em 2007, quando finalizei o Caminho Francês, também me transportou de Santiago de Compostela até Coimbra. Agora foi a vez de me A Guarda salvar-me do vento Sul, que afrontava a pobre da Trek.

Espero bem que me acompanhe um dia com a sua bicicleta, quem sabe em 2015? Em 2014 já ensaiou os primeiros 100 km entre Aveiro e Porto.

Santa Maria de Oia
A atormentar a viagem de regresso, entre Baiona e A Guarda, o vento Sul transformou o prazer de pedalar descontraidamente, pela ciclovia, junto à orla marítima, numa autêntica luta titânica. O tremendo esforço desenvolvido a pedalar subtraiu-me a possibilidade de desfrutar da maravilhosa paisagem costeira e ainda me furtou a possibilidade de visitar o Mosteiro de Oia. Mas o balanço final não podia deixar de ser positivo, mesmo com a CP a não permitir que transportasse a bicicleta no comboio, com um pouco de visão preparavam uma carruagem para o efeito, certamente teriam muitos interessados a procurar o serviço.

Por fim os meus agradecimentos a quem me apoiou na empresa solitária, à Sandra Marina, ao João Paulo Simões, José Botelho, Joaquim Tavares, António Pedro, à Carolina e à Mariana, pelas mensagens de incentivo.

Um agradecimento especial a dois amigos da Galiza, o José de La Riera e o Luís Freixo, que me ajudaram numa altura difícil. Obrigado a todos e Bom Caminho.




Sem comentários: