Igreja de Seixas |
Gosto de pensar que tudo correu a preceito e não impedi ninguém de dormir, com incómodo ressonar.
A
jovem israelita foi a primeira a madrugar, e cedo colocou pés ao
"Caminho". Também me despachei, mesmo sem o José Botelho e o Joaquim Tavares, companheiros habituais de anos anteriores, a
atazanarem-me os ouvidos, consegui sair cedo. Era imperioso recuperar quilómetros.
Não podia voltar a preguiçar como no primeiro dia, logo após a saída do Porto.
Rio Minho |
Seguiu-se a rotina habitual de preparação dos alforges e da bicicleta, o sentido agradecimento ao simpático e prestável casal de hospitaleiros que tão bem me acolheram. Procurei um local onde tomar o pequeno almoço e uma pequena padaria/pastelaria, situada bem no no centro de Caminha foi o local escolhido. Aguardava-me pão ainda quentinho, com manteiga e o indispensável café com leite.
Chegado
ao cais do rio Minho, onde pensei efectuar a travessia do rio para A Guarda, e
percorrer o Caminho da Costa por "Oia", "Baiona",
"Ramallosa", "O Freixo" e "Vigo", apanhando em
"Redondela" o Caminho Central,
mudei de ideias e optei seguir o Caminho até Valença.
Cruzeiro - Monte de Góios |
O "ferry-boat" que habitualmente efectua a travessia do Minho não se encontrava operacional, a alternativa seria recorrer ao bote de um pescador local, caso tivesse decidido seguir por "A Guarda". No entanto como o transporte da bicicleta no comboio, a partir de Vigo, não se antevia fácil, decidi deixar em aberto a hipótese de fazer o Caminho pela Costa em sentido inverso, por Vigo, Ramallosa, Baiona Santa Maria de Oia e A Guarda, para o regresso a Portugal.
Vista sob o Solar da Loureira |
À saída de Caminha, num parque de merendas, reencontrei as peregrinas da Catalunha, tirámos a tradicional foto em conjunto. O Caminho leva-nos agora em direcção a Seixas, atravessando a ponte sobre o rio Coura e ladeando a EN13, as marcações apontam para o interior da freguesia, pelo meio do casario, e alguns metros à frente podemos encontrar a igreja paroquial e o seu cruzeiro.
Pedalei na direcção da via-férrea, a qual atravessei por um pequeno túnel, o "Caminho" prossegue agora por um arruamento em calçada, junto à zona ribeirinha do rio Minho, num cenário verdadeiramente digno de assinalar.
Segue depois para Lanhelas, por entre ruas ora em calçada regular ora em troços de pedras mais largas e lageadas.
Panorâmica sob o rio Minho |
Continuando pelos bonitos, mas difíceis arruamentos em calçada, o Caminho penetra no concelho de Vila Nova de Cerveira pelo sopé do Monte de Góios, e assim vou serpenteando entre o casario tradicional, respirando por uma atmosfera idílica, para quem gosta de coisas simples, com uma satisfação enorme de penetrar no coração de uma região com uma beleza natural deslumbrante predominantemente verde, plena de um magnífico património arquitectónico rural que caracteriza muito bem a sua singularidade.
O "Caminho" no Paço do Outeiral |
Já na freguesia de Gondarém duas edificações setecentistas prenderam-me a atenção pela traça arquitectónica e privilegiada localização sobranceira ao rio Minho, primeiro o Solar da Loureira, e, poucos metros mais à frente, o Paço do Outeiral, onde o percurso contorna a propriedade por um interessante caminho em calçada, designado como Caminho de Santiago.
Vista do Paço do Outeiral |
O Paço do Outeiral é uma edificação de estilo setecentista, agora transformada em estalagem e que outrora dispunha no seu interior de uma pequena hospedaria exclusivamente dedicada a acolher peregrinos a Santiago. A ampla quinta que o rodeia possui férteis terrenos agrícolas e vinhedos que auto sustentam a estalagem.
Aqueduto no Paço do Outeiral |
O Caminho é ladeado por um paredão em granito que sustenta um aqueduto, ligado ao edifício por meio de um arco adossado, constituindo sem dúvida um recanto pitoresco.
Continuando
a pedalar pelas ruas em calçada, imprimi ritmo mais forte e rapidamente cheguei
a Cerveira, apesar da dureza do piso. Sábado
é dia de feira em Vila Nova de Cerveira, a vila é literalmente invadida por
vizinhos do lado de cá e de lá da fronteira. É impressionante o mar de gente
que acorre à povoação a fim de visitar a enorme feira, onde se vende de tudo.
A necessidade de proceder ao reabastecimento alimentar levou-me ao mercado local onde comprei fruta e a um supermercado onde completei as compras para as indispensáveis refeições.
A necessidade de proceder ao reabastecimento alimentar levou-me ao mercado local onde comprei fruta e a um supermercado onde completei as compras para as indispensáveis refeições.
Cerveira e as capelinhas dos Passos da Paixão |
De
novo no "Caminho", pedalei até o corpo acusar algum desgaste, Decidi
então parar num fontanário pitoresco a fim de me alimentar e também
resguardar-me um pouco do sol, que estava forte.
São Pedro da Torre, Ponte de Chamosinhos |
Ponte de Chamosinhos |
Foi a chegar à vila quase deserta de São Pedro da Torres, era Sábado e hora de almoço, que alcancei a jovem israelita do albergue de Caminha, que obriguei a para me tirar uma foto. Sem dúvida levava uma velocidade de andamento fora do comum.
Estava a terminar o Caminho da Costa e prestes a entrar em Valença e na sua fortaleza abaluartada, prestes a entrar na Galiza. Valença e Tui, face à proximidade, são praticamente a mesma cidade, numa ponte que se estabelece, não só através do ferro, do betão e do aço, mas sobretudo entre galegos e minhotos, entre espanhóis e portugueses.
O Caminho Central e a variante a "O Porriño"
Praça Forte de Valença |
Guarita de vigilância |
É incontornável não apreciar a fantástica panorâmica que se desfruta sobre o rio Minho e vizinhas terras da Galiza. Ainda na Fortaleza, carimbei a credencial na Pousada de São Teotónio e encetei a descida pelo lageado em direcção à ponte internacional rodo/ferroviária sobre o Minho.
Início do Caminho Português em Tui |
Depois de atravessar o rio, já em "Tui" o Caminho leva-nos primeiro para próximo da zona ribeirinha, de onde saímos serpenteando pelas ruas estreitas e inclinadas até chegar finalmente à antiga Catedral.
O sentido no café e o desejo de relaxar um pouco, levaram-me a um local paradisíaco, sobranceiro ao rio, com uma panorâmica extraordinária sobre o rio, e a monumentalidade de Tui e Valença.
Parque de lazer junto ao Minho - Tui |
Aproveitei para comer mais um pouco, beber o indispensável
"café con leche" e descansar um pouco.
Ponte Internacional Valença-Tui |
É altura para falar um pouco do espírito do Caminho. Caminheiro, turista ou peregrino, sabe do que falo. Efectivamente quem faz o Caminho de Santiago sente uma sensação estranha e ao mesmo tempo boa, não se sabe explicar bem de que se trata, mas o certo é que é um sentimento comum aos caminhantes, viajem a pé, de bicicleta ou a cavalo.
"Le Boulevard, em Tui" |
Vale a pena sentir, saber do que se trata, mas, só experimentando. E não se trata de nenhum "cliché" de qualquer invenção produzida para atrair adeptos. Assim convido os meus amigos a ir em direcção a Compostela por terras lusas e hispânicas ao encontro do espírito do Caminho, logo sabereis o que é. Com uma certeza porém, à medida que nos acercamos de terras galegas sente-se com mais intensidade.
Ponte de Veiga |
Na
zona onde se situa a “Ponte de Veiga”, sobre o rio “Louro”, oportunidade para
conversar um pouco com duas jovens peregrinas portuguesas que pela primeira vez
faziam o Caminho. Evidenciaram bastante entusiasmo com a experiência que agora começavam..
Memorial a D. Telmo |
Ponte das Febres |
Este
ano optei por seguir entre “Orbenlle” e “O Porriño”, pela variante ao polígono
industrial. Um percurso maravilhoso relativamente à desagradável e algo
perigosa travessia do polígono, com muito tráfego automóvel e sem vegetação que
nos permita resguardar a uma sombra para um momento de descanso.
Passagem da "Puente de Orbenlle" |
Orbenlle. Variante a "O Porriño". Indicações vandalizadas. |
Sobretudo para quem esgotou o cantil da água e ansiava loucamente por líquidos. Para que a coca-cola não soubesse a pouco bebi primeiro dois valentes copos do líquido mais precioso que pode existir e permite a nossa existência.
Variante a "O Porriño" |
Não havia tempo a desperdiçar, embora estivesse a pedalar em bom ritmo, torna-se difícil resistir a uns momentos de pausa para saborear o fresco de uma coca-cola com gelo e limão. “O Porriño” neste Sábado à tarde, estava plena de gente nas ruas, num ensurdecedor matraquear de palradores galegos. Depois de beber dois copos de água, veio a coca-cola tão ansiada, para repor o açúcar perdido.
Com alguma dificuldade de progressão, atendendo ao elevado número de passeantes, lá segui pelo Caminho, em direcção a “Mos”.
"O Porriño" |
"O Alpendre - Mos" |
"Meseta de Chan de Pipas" |
Como não queria perder ritmo, encetei a subida decidido, passei mesmo por um grupo de ciclistas de Braga, que apesar de mais frescos e leves conheceram a vergonha de ser ultrapassados por um tipo de alforges, a rondar os 10 kg de peso. Ainda mostraram alguma reacção para não ser ultrapassados mas foram ficando para trás na forte subida até ao "Alto do Inxertado".
"Redondela" - Albergue |
Após a planície de "Chan das Pipas", descemos até enveredar pela N550, para chegar a Redondela. Próximo do albergue, um enorme desfile motards fez-me aguardar algum tempo para poder prosseguir o Caminho, novamente a subir até ao cume "Eido dos Mouros". O dia aproximava-se a passos largos da noite.
Na descida para Arcade, vieiras. |
Ainda pensei que poderia dormir em Pontevedra, mas corria o risco de não encontrar lugar no albergue, e, mesmo que encontrasse, o recolher obrigatório é às 22:00.
Iniciei a descida para Arcade, com uma magnífica panorâmica da Ria de Vigo e à esquerda a mítica ilha de "San Simon". Para além de ter fama de ser a capital das ostras, "Arcade" é uma localidade da Galiza que conjuga talvez como nenhuma outra os sabores campestres e marinheiros.
Vista de "Arcade" |
O estalajadeiro era um simpático e prestável lisboeta que se encontrava a dar uma ajuda aos amigos, proprietários do "Lar de Pepa".
Albergue "Lar de Pepa" |
Assim, após cumprir 87 km da jornada e como o dia ainda não tinha terminado, uma passeata por "Arcade" a fim de "pinchar" algumas tapas pareceu-me apropriado. No entanto a fadiga estava a vencer e impediu que me alongasse em passeios e assim, o regresso ao "Lar de Pepa" não tardou muito a acontecera, de modo a descansar para enfrentar, com calma, os cerca de 80 km que ainda faltava concluir para a derradeira jornada até Santiago de Compostela.
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