domingo, 11 de maio de 2014

Coimbra e Região, de bicicleta.

Torres do Mondego - Penacova - Serra da Aveleira - Mata de Vale Canas

O Mondego visto da margem esquerda, próximo das antigas minas de chumbo de Barbadalhos ou do Zorro. 

Em 1987, Nélson Correia Borges, na sua 1ª edição, do volume 6, da colecção dos Novos Guias de Portugal, sob o título “Coimbra e Região”, abre assim a "Introdução Geográfica":

 “Região de mil matrizes, a descer do cimo do Buçaco e da Lousã, até às planuras arenosas da beira-mar, tem de tudo um pouco para oferecer, desde o mais erudito ao popular. As cidades, vilas e aldeias, com seus monumentos, ruas e gentes, surpreendem sempre personalizadas e simultaneamente participantes, da paisagem de sonho, que o poeta pôde sentir de perfeição celestial:” 

Na esteira do que escreveu,  cita Miguel Torga, no Diário VII:

“O mal desta paisagem de Coimbra é que não tem arestas que o corpo e o espírito precisem de limar. Ambos deslizam por ela como enguias no lodo. E a longa história do convívio humano com a suavidade das suas formas é um equívoco dramático. Cuida cada mortal, que caminha ainda no chão, e passeia já na bem-aventurança.”

A obra de Borges, mais que um guia, é um verdadeiro romance sobre Coimbra, cidade e região. Motivado pela sua leitura, resolvi avivar a memória sobre estes lugares, percorrendo-os de bicicleta, experimentando alguns destes percursos ainda desconhecidos e embrenhando-me por lugares com história, de diversificada e bonitas paisagens, em redor de uma cidade e região de encantos e encontros.

O Mondego na Portela, no horizonte as Torres do Mondego
Na Portela, onde o Mondego recebe o Ceira e se liberta das amarras montanhosas das encostas escarpadas, abrindo-se à sua maior cidade e espalhando-se para os campos verdejantes, na sua derradeira viagem até à Figueira, iniciei a minha primeira viagem, sempre pela margem direita do rio, até à vila de Penacova.
  
Passando sob a ponte da antiga linha de caminho-de-ferro da Lousã, percorridos cerca de 2 km, alcancei as Torres do Mondego, outrora pertencente a São Pedro de Coimbra e Santo António dos Olivais e hoje sede de freguesia com o mesmo nome.

Situada no dorso da encosta o casario em presépio estende-se até ao rio, num beijo quase perfeito. Por aqui se encontram excelentes locais de lazer, junto às margens, principalmente no Verão.

Torres do Mondego e o rio, no Penedo do Corvo mítico local  que atravessou gerações


De criação recente, a Praia Fluvial dos Palheiros, situada na freguesia das Torres do Mondego, conta com excelentes infra-estruturas de apoio, com bar e outros equipamentos essenciais. Mas o destaque vai para a excelente qualidade da água a que se associa um envolvimento paisagístico notável.

Praia Fluvial da Freguesia de Torres do Mondego
Penduradas nas encostas do lado oposto, os lugares de Carvalhosas, Palheiros e Zorro, espreitam lá do alto, envolvidos pela densa vegetação que alterna com terras de cultivo. Numa margem como noutra é possível de encontrar bons trilhos para a prática do BTT, ou cicloturismo.

Para completar o conjunto de lugares da freguesia de Torres, que convivem com o rio, o Porto Meio, o Casal da Misarela e a Ribeira proporcionam também boas alternativas para caminhadas ou programas com bicicletas. O verde domina a paisagem e a simbiose com a água completa um  quadro encantador.

Entre a Portela do Mondego e Penacova, torna-se difícil escolher qual o trecho mais belo do rio, se a Pedra Aguda com os seus recantos se o Caneiro, onde casario pendurado na encosta vigia o rio que aqui corre mais rápido e estreito.

No Caneiro, o colorido sobre a água de canoas e kayaks, são uma presença constante de Maio a Outubro, actividade ameaçada por razões de interesse económico, que resulta da tentativa de aproveitamento hidroeléctrico do troço do rio entre Penacova e Caneiro, mesmo ao arrepio de pareceres ambientais que desaconselham tal projecto. Esperemos, a bem da razão, que prevaleça a vontade de todos os que amam o rio. 

Na Rebordosa o vale estende-se por várzeas férteis e uma ponte liga as duas margens até aos  lugares da Ronqueira e Carvoeira. Tanto por uma como por outra margem podemos alcançar Penacova. 

O Mosteiro de Lorvão
A partir da Rebordosa, subindo, se chega a Chelo e à vila de Lorvão, onde uma pequena ribeira separa o casario do Mosteiro. Em Lorvão, tradição e a história remontam aos primórdios do reino. Do folclore à gastronomia, passando pela arte de fazer palitos, de forma artesanal, os lorvanenses souberam guardar o legado que perdura desde a Idade Média.

A igreja do Mosteiro alberga o maior órgão de tubos construído em Portugal, que longo e competente restauro devolveu ao instrumento o seu som e o número de tubos iniciais – quatro mil. Mas para falar de Lorvão e do seu Mosteiro, precisaríamos com certeza muito mais do que as linhas que dispomos para escrever.

Lorvão, o casario e o Mosteiro
Saindo de Lorvão podemos seguir subindo para Sernelha, para depois voltar a descer a Penacova, mas o mais lógico e suave é enveredar novamente em direcção à Rebordosa e continuar a serpentear o rio até à ponte. Junto a esta, na Azenha do Rio, pode encontrar-se uma iguaria de que a vila se orgulha de ostentar o estatuto de capital. Falamos da lampreia. Para os que apreciam, a lampreia é aqui confeccionada de forma sublime.

Finalmente Penacova, a Princesa, que do alto vigia o Mondego, tem origens remotas e difíceis de encontrar no tempo. Referências medievais aludem a um castelo que já não existe. A vila pendura-se no alto, sobranceira ao rio, do Penedo de Castro se avista para jusante o vale fértil, que estreita a partir da Ronqueira e Rebordosa. Para montante os fraguedos alcantilados erguem-se entre uma e outra margem, na vertical, em lascas regulares, tal como lombadas de livros, daí o nome “Livraria do Mondego”.

Penacova vista do "Penedo Alto" 
A doçaria conventual de Lorvão e Penacova, é o regalo dos mais gulosos, a meio de uma volta de bicicleta, espreitando os recantos do Mondego, o fascínio da paisagem encontra rival nas Nevadinhas e nos Pastéis de Lorvão, assim, nada como reabastecer com uma Nevada e um café no café Turismo.
Vista do café Turismo, Penacova, com o Pastel de Lorvão à direita e Nevada, à esquerda, em plano primordial

Existe em Penacova um conjunto considerável de moinhos de vento, quase todos desactivados da sua função primaz, a moagem. Na Portela da Oliveira, a caminho da serra do Buçaco, existe perto de uma vintena de moinhos, uns recuperados, outros já avaliados pelo IPPAR, em vias de restauro. Destaque para o moinho Vitorino Nemésio e ainda para o Museu do Moinho.

Moinhos de Gavinhos, Penacova

Na vertente oposta, a caminho da Serra da Aveleira, encontramos em Gavinhos outro conjunto considerável de moinhos. É pena não ser possível observar a sua principal beleza, que consiste sobretudo nas velas presas aos varais. O santuário mariano aqui construído aparece um pouco desfasado da paisagem.
Continuando para Coimbra, após a passar Figueira de Lorvão, Granja e Paradela, antes de entrar na Aveleira, encontramos o mais pequeno e ultimo conjunto de moinhos.
        
Vista da Serra da Aveleira
Após um olhar sob o horizonte, da serra da Aveleira pode adivinhar-se a serra do Buçaco, bem como as planuras de Coimbra. A Carapinheira da Serra deixa antever que a cidade do Mondego está próxima. Depois do Dianteiro vêm a Cova do Ouro, o Casal Lobo e finalmente a frondosa mata de Vale de Canas, local aprazível na Primavera e Verão onde podemos encontrar refúgio à sombra do arvoredo, para um agradável piquenique.
Mata Nacional de Vale de Canas - Torres do Mondego
Vale de Canas,  importante pulmão da cidade de Coimbra, estende o seu arvoredo na encosta vertente a Leste, para o Mondego, ladeando o Casal da Misarela e as Torres do Mondego, freguesia à qual pertence.
Para terminar, na descida do Picoto dos Barbados ao Tovins,  tempo ainda para nos determos sobre Coimbra e observar o pôr do sol a pintar a paisagem urbana, em conjunto com o aparecimento tímido de algumas luzes, a adivinhar a noite. 



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