segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Primeira etapa no Caminho Francês, entre Saint-Jean-Pied-de-Port e Roncesvalles

Saint-Jean-Pied-de-Port a Roncesvalles, 11 de Setembro de 2007.


No comboio para Sain-Jean-Pied-de-Port
Na gare de Bayonne apanhei a pequena composição que me transportou num enleante serpenteando ladeando as margens do rio  Nive alternando zonas habitacionais e uma paisagem marcada por algumas zonas de frondoso arvoredo, numa viagem tranquila e agradável até St-Jean-Pied-de-Port. 

Saindo da pequena estação, não foi difícil encontrar a direcção da velha cidadela fortificada, para onde pedalei, embora não tivesse efectuado uma visita pormenorizada à zona histórica da harmoniosa cidadezinha fronteiriça, receoso de perder tempo no caminho.

Ainda dentro das muralhas, o primeiro passo que um Peregrino a Santiago deve seguir é efectuar a validação da credencial na Oficina do Peregrino, paragem obrigatória para carimbar a credencial e obter a Vieira. 




Cidadela em Sain-Jean-Pied-de-Port
Escutar alguns conselhos por parte dos hospitaleiros é sempre importante e recomendável, foi o que fiz, na conversa que mantive com o voluntário de serviço na Oficina do Peregrino. Aquando da postagem do carimbo na credencial do peregrino, foi-me oferecida a vieira, símbolo do Caminho. 

Fui aconselhado a seguir pela Rota de Cisse, que na opinião do hospitaleiro é mais dura, mas também mais bela, descreveu-ma como muito dura nos primeiros dois quilómetros, suavizando um pouco, há medida que se aproximava do topo. Pensei em seguir por Cisse, conforme recomendado.

Após sair da Oficina do Peregrino deambulei um pouco mais pela pequena cidade, aprovisionei algumas compras necessárias para o caminho e "allez, au chemin de St. Jacques de Compostelle". 


O Caminho por Valcarlos

A minha intenção de enveredar pela Rota de Cisse, conforme conselho dos hospitaleiros da Oficina do Peregrino, esbarrou na dificuldade dos primeiros metros, embora me tivessem dito que o Caminho suavizava após os dois primeiros quilómetros. No entanto o desconhecimento do tipo de dificuldades que iria encontrar, a falta de experiência e de alguma confiança, assim como algum receio, levaram-me a seguir pela rota alternativa de Valcarlos, igualmente difícil, mas sem dúvida mais amigável de perfazer.


Fronteira de Navarra - Franco ou espanhola
Valcarlos, onde estacionaram as tropas de Carlos Magno, aquando das suas campanhas bélicas pela Península, é um vale dotado igualmente de magnífica paisagem, onde se destacam frondosos bosques de faias.

Na localidade de Valcarlos aproveitei para comprar umas maravilhosas tranches de "jambon cocido", e pão e continuei a minha subida pela montanha.

Quando já me sentia com alguma falta de energia escolhi um local sublime, um terreno de pasto em que improvisei uma mesa para um mini-piquenique, onde realizei uma refeição ligeira com pão, fiambre, fruta, sumo e uma pequena fatia de bolo. 

Ainda não tinha acabado a refeição e contei com a companhia de um ciclo turista escocês que efetuava a travessia dos Pirenéus, e que igualmente aproveitou a excelência do local para uma pausa ao sol.

A etapa foi efetivamente muito dura, exigindo muito das pernas, logo para o primeiro dia, cerca de vinte e quatro quilómetros. Recompensador, é sempre a chegada ao alto da montanha, pelo menos para recarregar as baterias da moral.

Por Valcarlos

O percurso foi efectuado sempre em sentido ascendente, com direito a um enorme susto pelo meio, precisamente quando contornava uma das muitas curvas da subida de cerca de 21 km, um enorme carneiro, ostentando um ornamentado par de chifres, fez-me crescer todos os pelos das pernas e braços, mediante a sua ameaçadora presença.






Mas o animal lá continuou a pastar livremente, à beirinha da estrada, pouco interessado na minha presença, felizmente para mim, mais interessado no pasto.


"Alto de Ibañeta"

Quando a subida parecia não acabar, cerrei bem os dentes, procurando concentrar-me bem e não desistir, agora que já estava tão próximo do topo,  onde ser mais forte. Mas, quando finalmente se alcança o prémio da montanha, até parece que as pernas ganham outra vida.  No Alto de Ibaneta, foi um pouco assim que aconteceu, e uma pequena pausa foi bem merecida.

Na descida consegui atingir a velocidade máxima de 54,82 Km/h, depois de percorrer durante a etapa apenas vinte e seis (26) quilómetros. A velocidade média não foi além dos 11,32 Km/h, pedalei cerca de 04:09:14 h, para quem passou a noite praticamente sem dormir, não foi mau.

Roncesvalles

“…ao lado desta montanha (Port de Cize), em direção ao norte está o chamado vale de Valcarlos, onde o próprio Carlos Magno acampou com seu exército, quando os seus soldados morreram em Roncesvalles. Por ele, também passam muitos peregrinos a caminho de Santiago, quando não querem escalar o monte. Em continuação, na descida estão o hospital e a igreja, é lá que se encontra o penhasco que o poderosíssimo herói Roland, partiu ao meio com sua espada, de cima a baixo, em três golpes. Em seguida, vem Roncesvalles,  onde teve lugar a grande batalha em que pereceram o rei Marsilio, Roldan e Oliveros, com outros 40.000 combatente, cristãos e sarracenos.”


Após este pequeno excerto que extraí da tradução para castelhano do “Guia do Peregrino Medieval” de Aymeric Picaud, clérigo francês de Poitou, que no  séc XII escreveu o primeiro guia dos peregrinos a Santiago, é tempo de voltar ao relato desta minha viagem.



Roncesvalles

Em Roncesvalles, o proprietário do café do Peregrino, aconselhou-me a pernoitar nesta localidade, tendo em conta que as horas e embora fossem ainda 15 H. 30 m, não sendo tarde, também já não seria muito cedo para arranjar dormida. Como estava ainda em Roncesvalles, tratei de aconchegar o estômago com um pequeno lanche, por coincidência, novamente na companhia do ciclo turista escocês, que tinha encontrado na subida para Ibaneta e com quem tinha estado à conversa.

Dirigi-me depois ao albergue para garantir dormida e carimbar a credencial, onde conheci o Fulvio Lamperti, milanês boa gente, também Peregrino a Santiago, também a viajar de bicicleta, disse-me para nos dirigirmos à Pousada de Juventude, uma vez que o albergue de peregrinos já não tinha vagas.



Roncesvalles
Assim, os dois acabámos por nos instalar na pousada, mediante o pagamento de da quantia de seis euros, pela respectiva dormida. Entretanto, um italo-suiço de Lugano, Marco de seu nome, sujeito simpático e conversador, engrossou o grupo para três. 

Contou-nos que que fazia o seu caminho, a pé, na busca de se encontrar consigo mesmo. A sua ideia era encontrar algum conforto espiritual, e, assim tentar resolver alguns problemas da sua vida sentimental. Os três, fomos jantar o menu do peregrino ao restaurante recomendado no poso de atendimento, o preço que foi pedido, oito euros pelo menu completo, atendendo à boa comida, valeu  pena. À mesa contámos também com a companhia de peregrino francês, septuagenário, mas com a tenacidade e a irradiar a força de vontade de um jovem. 



Validação de credenciais de peregrino - Roncesvalles
Com o decorrer da conversa, fiquei a saber, que este bom amigo de Savoie, tinha efectuado há três semanas atrás as últimas sessões de quimioterapia, na sequência de uma intervenção cirúrgica, e apenas uma enorme coragem permitiam que ali se encontrasse a percorrer o Caminho a pé. Quase me recusava a acreditar, sem dúvida, é indispensável muita coragem, determinação e fé.

O Marco sugeriu que fossemos à celebração religiosa a ocorrer às 20.00 horas, afirmou que não era religioso mas gostava de ir. Os quatro acabámos por entrar na igreja, para vivenciar uma celebração extraordinária, com um espírito único, na verdade passei a celebração com um  arrepio quase constante a percorrer-me o corpo. As motivações para fazer o caminho não assentaram unicamente em razões de ordem histórica, cultural ou religiosas, a principal resulta de uma vontade interior muito forte e um enorme desejo em partir à descoberta. O desafio que constitui fazer o Caminho, foi também um dos motivos que me impeliu a fazê-lo. 



Experimentei, dentro daquela igreja algo de espiritual ou místico, que funcionou seguramente como um bálsamo para aquele final de dia, e, para os subsequentes. A atmosfera vivida naquela celebração, onde estavam presentes pessoas de todos os cantos do mundo. 

Foram mencionadas, pelo celebrante, as a proveniência de todos os peregrinos presentes, com o nome de Portugal também a ser citado, provavelmente tendo-me a mim como o seu único representante. Senti um arrepio ainda mais forte, ao ouvir, num contexto especial, pronunciar o nome do meu país, pela minha presença. 



Roncesvalles
Foi uma jornada verdadeiramente incrível, que jamais esquecerei, no final de um dia tão intensamente vivido e esgotante, tinha chegado a hora de recuperar forças e descansar, tendo em vista a jornada do dia seguinte, que se antevia igualmente dura.

Contudo, antes de regressar ao albergue ainda houve lugar a uma breve conversa com duas jovens peregrinas, uma americana e uma italiana, conhecidas de Marco.  Sem dúvida, o ambiente vivido no primeiro dia, superou inteiramente as melhores expectativas iniciais.


O primeiro dia teve no seu epílogo uma incrível sinfonia de roncos, orquestra onde o meu amigo italiano ocupava o lugar de maestro. 



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