terça-feira, 17 de junho de 2014

Coimbra e região, Campos do Mondego - Parte I


Na presente edição optámos por ir à descoberta de percursos cicláveis pelos campos do Mondego, intercalando natureza e história, numa viagem entre Coimbra e a Figueira da Foz, optando no regresso por recorrer aos comboios da CP.

Da grande zona ribeirinha que é a grande planície aluvial, de grande riqueza agrícola, vulgarmente designada por Campo ou Campos de Coimbra e que compreende parte das sub-regiões de Soure e Montemor-o-Velho, até ao Mondego encontrar a foz, onde, para norte e para sul, nasce o pinhal que se desenvolve pelas frondosas matas de Quiaios, de Lavos e do Urso, e as praias da Figueira e da Tocha, a nossa viagem de hoje irá terminar na vila de Pereira.
Com o Mondego por referência, o percurso iniciou-se no Choupal, mata plantada no século XIX para impedir o contínuo amontoar de areias nos terrenos de cultivo, e estendeu-se na visita ao Palácio de São Marcos, nas imediações de São Silvestre, bem como pela passagem pelas vilas de Ançã, Tentúgal e Pereira.

Choupal de São João do Campo
Até chegar a Coimbra o rio corre ladeado por encostas escarpadas até à Portela, onde se encontra com o Ceira, seu afluente. Na velha Aeminium a corrente das águas é sustida pelo açude, dando origem à formação de um belo e espelhado lençol de água que reflecte as nuvens, o casario e as pontes.

A Barragem da Aguieira e o Açude-Ponte de Coimbra, construídos nas décadas de setenta e oitenta do século passado, retiraram um pouco o sentido ao epíteto de Basófias, por nele correr pouca água no Verão e transbordar das margens no Inverno. Na baixa coimbrã, quando o Mondego galgava as margens, o acesso a algumas ruas apenas era possível de barco.

Voltando ao Choupal, mata de poetas e doutores, também de amores e desamores, perdido um pouco a sua áurea romântica do passado, é hoje local predilecto dos conimbricenses para a prática de desporto, seja a correr, caminhar ou a andar de bicicleta.


Deixando para trás a mata com os seus trilhos e recantos infindáveis, seguimos beira rio, após poucos quilómetros percorridos derivamos para o interior dos campos agrícolas  até ao Rio Velho  ladeado por novo choupal, entre São João do Campo e São Silvestre, por onde se circula agradavelmente.

Para chegar ao antigo Convento de São Marcos, passamos obrigatoriamente na vila de São Silvestre, de origens ancestrais, que iniciou contudo o seu desenvolvimento apenas nos finais do século XV, por influência da proximidade do Convento.

Ao cimo da povoação encontramos um solar brasonado, de construção setecentista. Remodelações efectuadas no edifício, no decorrer do século XX, tornaram-no numa sombra do passado, claramente distorcido, relativamente ao seu carácter original. Mantém-se apenas a porta da entrada, rasgada por vão de verga curva, com cornija.

Distando umas centenas de metros da povoação, o Mosteiro de São Marcos é obra de vulto na região, não encontrando paralelo.

Tendo começado a ser construída no século XV, da igreja inicial quase nada ficou. As obras iniciaram-se cerca de 1452, acabando por volta do decénio de 80, sabe-se que foi seu arquitecto Gil de Sousa, que já construíra o convento de Penha Longa.

A igreja conserva ainda um singular e magnífico conjunto de arte tumular existente em Portugal, documentando a sua evolução nos séculos XV e XVI.

Palácio de São Marcos, sobranceiro aos campos
A fachada actual é da época rococó e apresenta linhas elegantes de referente clássico, na frente desta estende-se para poente o largo e comprido terreiro de plátanos, em cuja entrada se levanta o alto cruzeiro de 1783.

O Mosteiro de São Marcos, é, sem dúvida, a obra de arquitectura com linhas mais elegantes e de erudição que encontramos nos campos do Mondego.

De São Marcos, é possível apreciar a deslumbrante paisagem dos campos agrícolas, bordejados por pequenas colinas, que raramente ultrapassam os 100 metros acima do nível do mar e se estendem no horizonte.


Os Campos de Coimbra, vista de São Marcos
Prosseguindo em direcção ao campo, optámos por seguir por uma pequena estrada asfaltada, contígua aos campos agrícolas, passamos primeiro por São Martinho de Árvore, mas o destino é Tentúgal, onde nos esperam pastéis e queijadas, e o famoso arroz de pato que por estas bandas é muito apreciado.

Mas Tentúgal tem mais que pastéis e queijadas. O seu conjunto de casario, com sardinheiras encostadas às paredes e um notável conjunto de edifícios dos séculos XVI a XVIII, dão à povoação um carácter de nobreza que se percebe, muito porque as construções modernas pouco desvirtuaram a herança do passado.

As referências mais antigas à vila de Tentúgal datam da primeira reconquista cristã, nos anos de 954 e 980. O facto de aqui ter nascido o conde D. Sesnando, primeiro governador de Coimbra depois da reconquista de 1064, confere-lhe notoriedade. D. Sesnando era, ao mesmo tempo, senhor de metade da vila, por herança de seus pais, e desempenhou papel bastante importante na reconquista.

Tentúgal, casa setecentista
Mas não podíamos deixar Tentúgal resistindo aos deliciosos pastéis, até porque é importante a reposição de açúcar, assim a combinação de um pastel com o café foi inevitável.

Novamente a pedalar, atravessámos o campo em direcção ao rio, com destino à vila de Pereira, a que D. Dinis deu foral em 1282, tendo posteriormente obtido o foral manuelino a l de Dezembro de 1513.

Encontramos na vila de Pereira um conjunto de edificações civis e religiosas de assinalável interesse das quais se destaca a igreja da Misericórdia e a casa do celeiro dos Duques de Aveiro, mas mais do que casas brasonadas, a gentes da vila orgulham-se de ostentar como verdadeiro brasão o título de “lavradores”  que davam a si próprios em virtude do seu labor pelo trabalho agrícola e de pastorícia.


Pereira, igreja da Misericórdia
Em Pereira é obrigatório provar as vetustas queijadas, com elevada percentagem de queijo, ou as “barrigas-de-freira” oriundas do Real Colégio das Ursulinas, transferido para Coimbra em meados do século XIX.

Terminamos com uma incursão pelo Paul de Arzila, irrigado pela Ribeira de Cernache. O Paul está classificado como Reserva Natural. São muitas as espécies raras, em vias de extinção, que encontram abrigo neste habitat húmido. Lá se podemos encontrar aves como a garça vermelha, a garça real, a cegonha branca, entre outras.

O regresso fez-se de comboio, de Arzila até à estação de Coimbra B, com as bicicletas estacionadas no compartimento que lhes está adstrito, uma viagem calma, rápida e confortável nos comboios da CP, facto que deve ser elogiado, lamentando-se apenas que tal não se verifique nas linhas do Douro e Minho.

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